28 de março de 2011

«É bom trabalhar nas Obras» (82)

«Rafael divertiu-se nos baloiços e escorregas do Rancho de la Hormiga, atrás da residência presidencial (Los Pinos). Mais tarde foram pelos passeios até ao lago e descansaram na falda do cerro.
Chamou a atenção de Olga um pormenor que ainda hoje, tantos anos depois, passa despercebido aos transeuntes: as árvores desse lugar têm formas estranhas, encontram-se como que esmagadas por um peso invisível. Isto não se pode atribuir aos caprichos do terreno nem à antiguidade. O administrador do Bosque informou que não são árvores vetustas como os ciprestes pré-hispânicos das redondezas: datam do século XIX. Quando actuava como presidente do México, o arquiduque Maximiliano mandou semeá-los, tendo a paisagem da zona ficado muito danificada em 1847, em consequência dos combates em Chapultepec e do assalto ao Castelo pelas tropas norte-americanas.
O menino estava cansado e deitou-se de costas no chão. A mãe sentou-se no tronco de uma daquelas árvores que, se o senhor me permite, qualificarei de sobrenaturais. Passaram vários minutos. Olga tirou o relógio, aproximou-o dos olhos, viu que eram duas da tarde e tinham de ir a casa da avó. Rafael suplicou-lhe que o deixasse ficar mais um pouco. A senhora aceitou contrariada, inquieta porque no caminho se tinham cruzado com vários aspirantes a toureiro que, já nessa altura, treinavam ao pé da colina num tanque seco, próximo do sítio que se afirma ter sido o balneário de Moctezuma.
À hora do almoço, o Bosque tinha ficado deserto. Não se escutava o rumor de automóveis nas ruas, nem a azáfama de lanchas no lago. Rafael entretinha-se a dificultar o caminho de um caracol com um raminho. Nesse instante, abriu-se um rectângulo de madeira escondido debaixo da erva rala do cerro e apareceu um homem que disse a Rafael:
- Deixa-o. Não o incomodes. Os caracóis não fazem mal e conhecem o reino dos mortos.
Saiu do subterrâneo, dirigiu-se a Olga, estendeu-lhe um jornal dobrado e uma rosa com um alfinete:
- Tome lá para se entreter. Tome lá para a usar.
Olga agradeceu-lhe, surpreendida com o aparecimento do homem e a amabilidade das suas palavras. Imaginou-o como um vigilante, um guardião do Castelo, e de momento não reparou no seu vocabulário nem no cheiro a humidade exalado pelo seu corpo e pela sua roupa.
Entretanto, Rafael tinha-se aproximado do desconhecido e perguntava-lhe:
- Vives ali?
- Não: mais abaixo, mais no fundo.
- E não tens frio?
- A terra está quente no interior.
- Leva-me a conhecer a tua casa. Mamã, dás-me licença?
- Menino, não sejas maçador. Agradece ao senhor e vamos embora: a tua avó está à nossa espera.
- Senhora, permita-lhe que se abeire. Não o deixe com a curiosidade.
- Mas, Rafaelito, esse túnel deve ser muito escuro. Não tens medo?
- Não, mamã.
Olga anuiu com expressão resignada. O homem pegou na mão de Rafael e disse, ao começar a descida:
- Voltaremos. A senhora não se preocupe. Vou só mostrar-lhe a boca da gruta.
- Tenha cuidado com ele, por favor. Fica entregue a si.»
[José Emilio Pacheco, O princípio do prazer; em tradução para a Colecção Ovelha Negra / Oficina do Livro;

6 comentários:

Claudia Sousa Dias disse...

Só o título já dá vontade de comprar...

fallorca disse...

Já falta pouco, pantera; e o Autor vai estar presente no lançamento.
Quando?
Quando for :P

Luda disse...

Leio o texto, olho para aquilo do Escher e ponho-me a pensar se o menino e o homem irão regressar. Se não se vão pôr ali às voltas também e cair lá dentro. Se o homem não era um daqueles que estava dentro da caverna daquela coisa antiga que Platão escreveu e que achavam que o mundo era só aquilo eles lá dentro e as suas sombras e que saindo se espantou porque o mundo era mais que aquilo.
Mas não gostou do que viu, quer voltar lá para dentro onde se sentia mais confortavel mas quer companhia. Então leva o menino, conta-lhe histórias, brincam às sombras. E olho aqui para esta sala e penso se esta também não será a minha caverna. Não importa a terra onde está, só que é minha, como se fosse um labirinto que desenhei e o lápis acabou no meio, no ponto onde estou. É confortável. :)

fallorca disse...

«...olho para aquilo do Escher e ponho-me a pensar...»
"Aquilo"?, do Escher?
Não pense tanto

Luda disse...

Pense, pense.
Penso, logo sinto e porque sinto, existo.
Sem condescendêndias absurdas que não nos assentam bem.
E sim, Aquilo! Do Escher!

fallorca disse...

Luda,
hesitei em publicar o seu comentário; não aprecio o tom afirmativo e competitivo.
Sobretudo vindo de alguém - «Claro que também me deu a febre de fazer um armazém na net.» - mas que o mantém inacessível para o autor do blogue, este, que parece ter escolhido como vazadouro das suas considerações.
«Leio o seu blog há "ene+1" dias.»; agradeço a atenção, mas há quem o leia e me leia há muito mais tempo e não faz comentários.
Atitude tão respeitável como a sua privacidade e a minha opção em recusar os seus comentários, caso não me agradem e a manter-se a sua «invisibilidade».
Gosto de carros, mas não aprecio máquinas e muito menos um hipotético diálogo com elas