Um dia destes, ainda acabo detido pela incompreensão. «Sexagenário roubava pacotes de açúcar por onde passava», ridicularizaria, expedita, uma local da imprensa. Há cerca de três anos que não compro açúcar; abasteço-me descaradamente de pacotes, estejam eles à mão. Não porque seja forreta a esse extremo, mas porque me habituei a dosear o café a olho com uma colher (sempre aquela) e dois pacotes de açúcar para a altura na chávena ficar no ponto; sem entornar entre a cozinha e a mesa de trabalho. Com o tempo, achei prudente ter uma justificação a jeito para o caso de me sentir apanhado a servir de mais pacotes do que seria, do que será normal. «O grilo, sabe; tenho quebras de tensão (e é verdade) e gosto de andar sempre com um pacote de açúcar no bolso para beber com água». Não gosto nada, pura aldrabice; benefícios da idade. Se há coisas que detesto e roçam a fobia, é o contacto físico com o açúcar e o melaço em geral e a gordura em particular. Imagine-se a dificuldade em lidar com a popular fartura, em levá-la à boca mesmo com um guardanapo de papel. Há sempre um grão de açúcar que decide brincar à clépsidra, se estou de manga comprida. Por outro lado, pisar açúcar não tem nada a ver com pisar areia; arrepia-me só de pensar, verifico o soalho imaculado. Na esplanada onde me servem o pequeno-almoço, quando me dirijo ao balcão para lhes dar os bons-dias e beber um copo de água – deixei de o levar lá para fora, acusado de desperdiçar água; e é, era verdade –, dou logo a palmada em dois ou três pacotes. Entretanto, sento-me (de preferência) na minha mesa do lado esquerdo de quem entra e servem-me o galão com dois pacotes de açúcar; lá vai mais um, se, entretanto, não havia algum rejeitado pelos abstémios, pelos adictos da frutose. Quando retribuo a amabilidade (levanto a louça dos outros, mas marco o território com a lata e a onça de tabaco) e vou buscar o café, aproveito o bulício da hora do almoço e dou a palmada em quantos pacotes vierem à mão. Elas, já nem reparam; e eu, estranhamente, tenho vindo a sentir-me mais comedido. O dia de hoje só rendeu quatro pacotes; safra ridícula, para pretensões cleptómanas.
30 de março de 2011
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4 comentários:
Eu também :)
Embora só leve os que me deitam para a mesa, normalmente, não preciso nem de metade, chegam a dar 4 pacotes para um café, ou um chá!!! O pior é que, na Alemanha, às vezes, não há pacotes, há daqueles frascos de açúcar, com um canudo de dosear.
Mesmo assim, também não preciso de comprar açúcar ;)
São uns esbanjadores; e assim, contribuimos de maneira - determinada e inequívoca - para a elegância e a poupança :P
Normalmente uso todos os pacotes que apanho, no café ou na meia de leite, mas tenho uma irmã que bebe sem açucar, e assim, pensando em todos que como ela, que não o usam, poderá repôr-se o equilibrio no universo.
Alto!, onde é que a sua irmã toma a meia de leite? eheh :)
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