«Perto ou longe só crescia o vento, o resto parecia limitado a uma resignação vazia e imensa. Maurício, ao observar tudo isto, sentiu a vã necessidade de dizer-se o seu nome em voz baixa, de o recordar.
Maurício abriu a boca para dizer alguma coisa, mas não soube que responder à distraída irreverência do condutor. Acabou por morder o lábio inferior, arrependido logo por ter falado, como se ao fazê-lo tivesse quebrado um pacto óbvio e necessário entre os dois homens que sulcam a noite na surda profundidade do deserto, como se o deserto fosse o caminho certo que os libertava de qualquer desvio do qual, suspeitava, não havia regresso, por não haver a onde regressar.
Depois disso, não se atreveu a dirigir-lhe a palavra, e limitou-se apenas a insistir uns minutos mais com o olhar no espelho retrovisor. Contudo, o taxista não voltou a procurá-lo. Imutável, olhava em frente, para a estrada interminável. Finalmente, Maurício desistiu e ocupou-se a observar o céu rígido e abundante através da janela. Não queria pensar em nada. As distâncias absorviam-no, como se o facto de tudo estar ou parecer distante o situasse num desterro intransitável entre ele e os seus pensamentos. Sem esforço foi-se deixando estar, inclinado sobre a janela, a olhar as fugidias figuras dos arbustos e das pedras e a sentir o frio da noite na testa apoiada no vidro.»
[Ricardo Romero, Nenhum Lugar; trad. Patrícia Louro, Deriva, Setembro 2010]
1 comentário:
desvio efectuado com sucesso :)
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