«O tempo todo que esteve a falar com o homem olhava-o e a seguir voltava-se na direcção que lhe tinha indicado. Não tinha mudado nada na sua amabilidade, embora agora se conseguisse perceber que estava menos interessado em falar com Maurício. Não só as suas palavras lhe chegavam mais distantes, pelo facto de o homem se ter afastado, mas também porque havia entre eles outra forma de distância, algo oblíquo e de alguma forma necessário. Maurício viu-o afastar-se e não se atreveu sequer a agradecer-lhe a informação. Até quanto estava de costas havia algo de irreal naquele homem que sorria. Caminhava devagar, os seus passos eram longos debaixo de um sol alto e duro. Maurício viu as horas. Eram nove e um quarto. O dia tinha começado e ele não sabia para quê.
O miúdo saiu da loja. O saco cheio, o corpo inclinado para equilibrar o peso. Ao atravessar a praça cruzou-se com um charco que parecia não ter visto antes. Parou. Hesitava entre atravessá-lo ou dar-lhe a volta. Olhou o saco e voltou a olhar o charco que mais parecia um lamaçal. Da torneira continuava a sair água aos borbotões. Pegou numa pedra e atirou-a para o meio do charco. No final, decidiu dar-lhe a volta.»
[Ricardo Romero, Nenhum Lugar; trad. Patrícia Louro, Deriva, Setembro 2010;
1 comentário:
Eu tenho um lugar, a minha pátria será um pouco dos campos do Alentejo na primavera, a minha terra natal Lourenço Marques e os olhos de espanto dos meus cronópios quando sobem ao palco. Mas quando pego a bússula ela reage como uma fonte que jorra noite e saudade. Noite e saudade. Vou, mas irei sempre para parte nenhuma.
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