«A minha avó não gostava que lhe tocassem mais do que o estritamente necessário. Não era contra os beijos, mas reservava-os só para quando houvesse uma razão muito forte para isso. Durante todo o tempo que viveu connosco, deu-me dois. Mais tarde explico-lhe, doutora, quais foram ambas as situações. O problema de ter conhecido uns pais tão amorosos como os meus no passado, é que depois, quando eles não estavam, senti a falta sem remédio de um contacto físico que nem a avó nem ninguém me podia dar nesse momento. Para cúmulo dos males, a minha mãe telefonava de França muito poucas vezes por mês e, devido à diferença horária, as suas chamadas raras vezes coincidiam com os momentos em que estávamos em casa. A avó contava-nos – vá-se lá saber se era verdade – que tinha conversado com ela, que nos mandava mimos e que, embora sentisse muito a nossa falta, “sentia-se muito bem”. Por muito egoísta que soe, saber que a minha mãe era feliz num lugar afastado do mundo, não me fazia sentir da mesma maneira. Claro que me alegrava saber que lá longe, do outro lado do Atlântico, já não chorava todas as tardes, mas entre isso e que “se sentisse muito bem”, havia um abismo. Mais de uma vez, sufocada pela sensação de injustiça que se respirava em casa, teria dado o que quer que fosse para contactar com ela, para falar demoradamente com ela e contar-lhe o que estava a viver. Mas isso nunca foi possível. As chamadas internacionais, nessa altura, eram uma coisa completamente fora do habitual. Além disso, eu não tinha nenhum número para a localizar e essa circunstância fazia-me sentir totalmente desamparada.»
16 de março de 2012
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