«À saída da sala, caminhara ao acaso pelo bairro. Pairava na luz verde e límpida de que falara Guy de Vere. Cinco horas da tarde. Havia muito trânsito no boulevard e, no carrefour de l’Odéon, as pessoas empurravam-na porque caminhava na contracorrente e não queria descer, como elas, as escadas da estação do metro. Uma rua deserta subia suavemente para o jardim do Luxemburgo. E aí, a meio do caminho, entrara num café, num prédio de esquina: o Condé. “Conheces o Condé?” Começara de repente a tratar-me por tu. Não, não conhecia o Condé. Para dizer a verdade, não apreciava muito aquele bairro estudantil. Recordava-me a minha infância, os dormitórios de uma escola da qual fora expulso e um restaurante universitário, do lado da rue Dauphine, que me via obrigado a frequentar, com um falso cartão de estudante. Eu morria de fome. A partir de então, ela refugiava-se muitas vezes no Condé. Travara rapidamente conhecimento com a maior parte dos clientes habituais, em particular dois escritores: um certo Maurice Raphaël e Adamov. Já ouvira falar deles? Sim. Sabia quem era Adamov. Vira-o mesmo, repetidas vezes, perto de Saint-Julien-le-Pauvre. Um olhar inquieto. Diria mesmo: aterrado. Andava de sandálias, sem peúgas. Ela nunca lera nenhum livro de Adamov. No Condé, ele pedia-lhe às vezes que o acompanhasse ao hotel, porque, de noite, tinha medo de andar sozinho.»
[Patrick Modiano, No Café da Juventude Perdida; trad. Isabel St. Aubyn, ASA, Abril 2009;olhar inquieto]
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