«Ximena pintava a óleo. Tinha-a visto umas duas vezes concentrada em frente do seu cavalete, naquele quarto que se me revelava em parte, graças ao limitado aumento dos meus binóculos. Que relação tinha com a sua família?, em que colégio andava e como de dava com os seus companheiros de aulas? Esta e outra dezena de perguntas eram as que me ocorriam à noite, enquanto a via do meu quarto. Também gostava de encontrar afinidades entre nós as duas, para além da localização das nossas janelas, como a cor do nosso cabelo e o facto de, para nenhuma das duas, a infância ser um mar de rosas.
Uma tarde, em que me sentia especialmente triste e necessitava com urgência de me encontrar com ela, assomei à janela antes da hora, para ver se a via por acaso, nem que fosse de passagem, atrás das cortinas do quarto. Então, notei que havia fogo no apartamento dela. Abri de repente a porta do meu quarto e gritei à minha avó para chamar os bombeiros. Recordo que saí a correr para a rua e subi ao montículo sobre o qual estava a árvore e esperei que chegassem. Então dei-me conta: a imagem não era a de um incêndio habitual com o fogo a sair pelas janelas, mas um espectáculo muito mais discreto. As chamas formavam uma silhueta semelhante à de uma árvore de natal. Depois de um tempo insuportavelmente longo, ouviram-se as sirenes e com elas vimos aparecer o camião dos bombeiros. Também chegou uma ambulância que retirou Ximena numa maca. Soubemos depois, que ela própria se tinha banhado com dissolvente para óleo e se chegou o fogo no quarto. A notícia saiu em todos os jornais. Alguém pronunciou a palavra 2esquizofrenia”. Para mim, a explicação era simples: Ximena tinha resolvido fugir, de uma vez por todas, do cativeiro da sua vida.»
1 comentário:
Tocante.
Enviar um comentário