«Muitas vezes, sentia medo e, para me tranquilizar, apetecia-me ir procurar a minha mãe, mas perturbaria o seu trabalho. Hoje, estou certa de que não se teria zangado, porque, na noite em que foi buscar-me ao comissariado das Grandes-Carrières, não me dirigiu nenhuma crítica, nenhuma ameaça, nenhuma lição de moral. Caminhámos em silêncio. A meio da pont Caulaincourt, ouvia-a dizer numa voz descontraída: “pobre” pequena”, mas perguntei-me se se dirigia a mim ou a ela própria. Esperou que me despisse e me deitasse para entrar no meu quarto. Sentou-se na cama e permaneceu em silêncio. Eu também. Acabou por sorrir. Disse-me: “Não somos muito faladoras…”, e fixou-me nos olhos. Era a primeira vez que o seu olhar ficava tanto tempo preso no meu e a primeira vez que me apercebia de que os seus olhos eram muito claros, cinzentos, ou de um azul deslavado. Azul acinzentado. Debruçou-se e beijou-me na face, ou antes, senti os seus lábios furtivamente. E aquele olhar sempre fixo em mim, aquele olhar claro e ausente. Apagou a luz e, antes de fechar a porta, disse-me: “Trata de não voltar a fazer a mesma coisa.” Creio que foi a única vez que se estabeleceu um contacto entre nós, tão breve, tão desajeitado e todavia tão intenso que lamento não ter manifestado, nos meses que se seguiram, um impulso em direcção a ela que tivesse provocado esse contacto. Mas nós não éramos, nenhuma das duas, pessoas exuberantes. Talvez a minha mãe demonstrasse à minha frente uma atitude aparentemente indiferente por não alimentar ilusões a meu respeito. Pensava com certeza que não havia grande coisa a esperar, uma vez que eu era parecida com ela.»
[Patrick Modiano, No Café da Juventude Perdida; trad. Isabel St. Aubyn, ASA, Abril 2009;
espelho meu]
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