30 de maio de 2012

Nem sempre a lápis (284)




6. A casa de ninguém é o arquétipo da chegada do Turismo às praias familiares. (Ver caderneta predial.) É a primeira porta de um prédio com quatro andares, direito e esquerdo, no começo de uma rua que traçaram desafogada até à Escola Primária e termina, hesitante, num largo com diferentes sentidos.
A casa de ninguém fica no segundo andar, acima de quatro lanços e meio de escada suave, tendo em conta os degraus que a separam da entrada; a recepção muda. É composta por um hall, cozinha e casa de banho, um quarto de casal e outro com duas camas e um divã desdobrável, uma sala, uma varanda comum às duas anteriores divisões, a sala e o segundo quarto, implacavelmente voltadas a Norte. O chão é de parquet, as portas e as cercaduras e os rodapés envernizados, as janelas e portadas de madeira pintadas de branco. As paredes conservam uma aguada de verde mal diluído; realçam a ocupação africana que se pretende esquecida e colonizada pelo abandono dos herdeiros.
Não sendo dele (e porque não é sua) o cavalheiro elabora vários projectos para a reabilitação da casa de ninguém. É um arquitecto sentado num sofá. Hoje, derruba a parede e liga a sala ao quarto, substitui as duas portas por outras de correr, envidraçadas; amanhã, trata da cozinha e da dispensa e da varanda para o logradouro; ontem, ocupou-se com a casa de banho e o chão.
Só uma dúvida se mantém insolucionável: onde colocar a mesa de trabalho no novo espaço e, a havê-lo, como pendurar a sacola com livros nas maçanetas das portas de correr sem a sensação de se ter trancado por dentro.

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