22 de setembro de 2011

Nem sempre a lápis (212)

Ao fim da primeira tarde de praia, vinha da Cerca Nova e não me surpreendeu ler a oferta «Visitas Guiadas à Ilha do Pessegueiro», pintada numa placa de madeira. Entendi guiadas para não pisarem os ninhos de gralha, evitar que alguém tropece num calhau e vá ter ao mar a fazer tobogã nas rochas forradas com cracas minúsculas; a menos dolorosa das hipóteses. Sorri e pensei que era inevitável. Ainda estive para documentar o achado, mas a esfrega de talassoterapia desmotivou os passos de recuo para a encenação da surpresa. O que me chamou a atenção foi o traço naïve – proa de moliceiro, marinha de tasca, natureza morta de feira – a ficcionar o entulho da fortaleza, à vista desarmada. A tentação foi sempre grande, acampados em frente dela com canas espetadas na falésia para encher jarricans de água doce e banho tépido ao fim da tarde. Depois de jantar, era voz corrente nas tabernas que na ilha se dava um alho como não havia igual para temperar peixe; dizia-se que havia um túnel sob o mar que ligava a ilha à fortaleza, em terra; os neptunos de serviço apostavam minis em como na preia-mar se chegava até meia distância com água pelo tronco e depois, era só nadar, conhecendo as correntes; segredava-se que a ilha era um entreposto de contrabando para justificar o arrastar de caixotes na praia, ouvidos ou sonhados durante a noite; dizia-se também que se caçavam patos selvagens no lado oculto da ilha, pescados à linha e degolados no acto, abafado pela rebentação. Era apenas uma questão de tempo; restaurada a pincel, a ficção aconchegou-se à procura.
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