«- O barco é velho mas é de confiança – disse Freytag. – Passou por mais tempestades do que qualquer outro barco que eu conheça.
- Mas está amarrado – disse o doutor Caspary. – Está fundeado e não se consegue libertar, e fica aqui no Verão e no Inverno enquanto os outros navegam. Mas um barco tem de estar a caminho entre os portos, tem de estar ausente e regressar, tem de ter alguma coisa para contar. Com um barco tem de se encontrar o desconhecido. Este barco foi, desde o princípio, concebido para a amarra, construído para ser um prisioneiro responsável para quem todos os portos estão fechados.
- Como alguém condenado a prisão perpétua – disse o gigante.
- Os outros estão a caminho e o senhor está seguro à amarra – disse o doutor Caspary. – Talvez seja por causa disso que os seus antecessores têm caras tão tristes: este cativeiro sob o mesmo horizonte, na mesma costa.
- Os prisioneiros também têm algum poder – disse Freytag. – Os carcereiros dependem muito mais dos seus prisioneiros do que os prisioneiros dos seus carcereiros: se não fossemos nós, haveria aqui um cemitério de barcos bem cuidado, e poderiam ver-se por toda a parte da costa os ferros de barcos afundados, como pregos numa tábua de faquir. A costa inteira estaria cheia de cascos de navios, e lá fora, onde havia zonas minadas, estariam ao lado uns dos outros, ou então mesmo uns em cima dos outros. Os outros só podem navegar porque nós estamos seguros à amarra e podem ter confiança nos sinais de luz que emitimos. Onde há um barco-farol significa que se passa alguma coisa. Eles sabem isso e prestam atenção assim que dão por nós.
- Mas os outros são livres – disse o doutor Caspary.
- Os outros dependem de nós – disse Freytag. – Dominamo-los e, se quisermos, podemos mandá-los para os bancos de areia ou para as zonas minadas, ou então para um canal onde, passada uma noite, ficam com o valor de sucata. É assim – disse Freytag – e não de outra maneira.»
[Siegfried Lenz, O Barco-Farol; trad. Inês Madeira de Andrade, Fragmentos, Setembro 1987]
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