«Escrever, era a única coisa que povoava a minha vida e que a encantava. Fi-lo. A escrita nunca mais me abandonou.
A solidão da escrita é uma solidão sem a qual o escrito não se produz, ou se esfarela, exangue de procurar o que escrever.
É sempre necessária uma separação das pessoas que rodeiam aquele que escreve livros. É uma solidão. É a solidão do autor, da escrita. Para iniciar a coisa, interrogamo-nos acerca desse silêncio à nossa volta. Praticamente a cada passo que se deu numa casa e a todas as horas do dia, sob todas as luzes, quer estejam do lado de fora, quer sejam lâmpadas acendidas durante o dia. Essa solidão real do corpo torna-se outra, inviolável, a da escrita. Eu não falava disso a ninguém. Nessa época da minha primeira solidão, tinha já descoberto que dedicar-me à escrita era o que eu tinha de fazer.
Não encontramos a solidão, fazemo-la. A solidão faz-se só. Eu fi-la. Porque decidi que era aqui que deveria estar só, que estaria só para escrever livros. Passou-se assim. Estive só nesta casa. Fechei-me aqui – também tive medo, evidentemente. E depois amei-a. Esta casa tornou-se a da escrita. Os meus livros saem desta casa. Desta luz também, do parque. Desta luz reflectida no tanque. Precisei de vinte anos para escrever isto que acabo de dizer.
Creio que a pessoa que escreve está sem ideia de livro, que tem as mãos vazias, a cabeça vazia, e que não conhece, desta aventura do livro, senão a escrita seca e nua, sem futuro, sem eco, longínqua, com as suas regras de ouro elementares: a ortografia, o sentido.»
[Marguerite Duras, escrever; trad. Vanda Anastácio, Difel, Outubro 2001;
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