«O sal, a chuva, os líquenes e o vento demoram mais do que um século ou dois a apagar as letras mais fundas das pedras tumulares. Porquê a inscrição das duas datas? A pergunta pode ser feita em relação a qualquer outro cemitério mas aqui, nesta ilha, a resposta é mais do que evidente.
As inscrições não se dirigem aos vivos. Os que já sabem recordar os mortos não precisam que lhos lembrem. O que se inscreve é uma forma de identificação, dirigida, como qualquer identificação, a terceiros. As pedras tumulares são cartas de recomendação para os mortos, escritas na esperança de que não seja atribuído outro nome aos recentemente partidos.
Do cemitério tu e eu olhávamos para lá dos canais, para o mar, para o céu acima do mar, para as colinas de fetos. A linha da costa corta em declive como a fazer a passagem para algo que nasce ainda mais longe – na direcção do imenso Atlântico. É para este lugar de nascimento que os mortos viajam. Todos a uma distância que lhes permite ouvirem-se uns aos outros. Os vivos não conhecem essa língua. As nossas histórias não são lidas pelos mortos.»
[John Berger, E os Nossos Rostos, Meu Amor, Fugazes como Fotografias; trad. Helder Moura Pereira, Quasi, Janeiro 2008]
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