Mas naquela tarde em Mendoza as coisas ocorreram de outra maneira. A princípio ele esperava que os seus sonhos se entenderiam directamente com os sonhos. Mas depois começaram a atraiçoá-lo aqueles dez miseráveis que estavam no fosso. No entanto, ele tinha sido o grande culpado: por um lado, o orgulho dos seus sonhos tinha feito estirar, entre ele e os do fosso, uma distância cheia de esquecimentos (era como uma ponte cheia de buracos) e por outro lado ele tinha tiranizado com paixão cega aqueles pobres miseráveis; tinha-lhes tirado a liberdade de que teriam necessitado para servi-lo melhor: além disso, se a sua paixão não o tivesse cegado desde o princípio, quando trabalhava e ensaiava juntamente com eles, se se tivesse preocupado com a vida e os interesses de cada um e então eles ter-lhe-iam respondido melhor. Mas agora o seu orgulho e a sua paixão tinham sofrido um grande castigo; quando ele viu que eles não podiam cumprir o que ele lhes ordenava, nesse preciso momento quis preocupar-se com cada um deles: foi um recurso de desespero. Quando eles começaram a ficar rígidos, a reter cada um os seus próprios músculos e a confundir o jogo que deviam realizar com os seus companheiros, começou-se a verificar o desequilíbrio: eles iam-se estreitando entre si como jogadores grosseiros. E foi então que o director tinha ido baixando, pouco a pouco, a sua orgulhosa cabeça, quando tinha agachado, pouco a pouco, o seu corpo como se fosse pôr-se de cócoras; tentava comunicar com cada um em separado, mas estavam todos feitos numa massa informe que ia detendo o jogo, e começavam a mostrar os instantes de pausa em angustiantes silêncios que não correspondiam à obra; então, quando o director queria movê-los de novo, mudava de lugar a massa inteira, mas não lograva separá-los. Por fim, ele mesmo aderia ao pelotão, e a coisa terminava sem se saber como: jaziam todos no próprio fosso.»
[Felisberto Hernández, Contos Reunidos; em tradução para a Colecção Ovelha Negra, Oficina do Livro]
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