27 de abril de 2010

«É bom trabalhar nas Obras» (5)

«A maior parte do tempo dedico-a a fumar e a afiar os meus lápis Faber Número 2. Com eles corrijo as composições dos meus alunos, e se algo não me agrada apago-o com a borracha que têm em baixo e sugiro-lhes uma frase melhor.

Em todo o caso, foi o alcaide quem me emprestou a sua Remington para passar a limpo as minhas traduções.

As composições das crianças são bastante optimistas. Muitas começam por dizer “o dia abre com o sol que estende os seus dedos bondosos sobre o campo” ou “com o cantar do galo rompe a aurora e as sombras vestem túnicas amarelas”.

Só Augusto Gutiérrez foge à regra. Ele escreve, por exemplo: “O cantar do sol rebenta os tímpanos do galo”.

É um desastre a Matemática. Repetiu o último ano e é o único rapaz da aula com um esboço de bigode nos lábios.

Tem duas irmãs. Aos domingos vou à praça, compro amendoim cristalizado e bebo uma Bilz sentado no banco de pedra e quando elas passam ao meu lado riem-se trocistas e eu fico corado. Augusto Gutiérrez tem óculos grossos e os lábios finos.

Na próxima sexta-feira faz quinze e passeia-se com um livro de Rubén Darío pela praça. Sabe de cor “Margarita está linda la mar y el viento trae aroma sutil de azahar*, mas não são tanto os versos do poeta nicaraguense que lhe interessam, mas travar comigo uma conversa de homem para homem.

Segundo ele, quer saber se eu estive no bordel de Angol e quanto vale a noite com uma das raparigas.

Limpo as migalhas de amendoim das minhas calças azuis e digo-lhe que é uma conversa imprópria entre um aluno e um professor. Diz que se eu não lhe conto como é a vida, pedirá conselhos ao cura no confessionário.

Acrescenta que dentro de uma semana não vai haver só torta e velinhas na sua festa de aniversário, mas também música romântica norte-americana para bailar bem agarrado. As suas irmãs pediram-lhe que me convidasse. Teresa tem dezassete e Elena dezanove. Eu vinte e um. Aqui somos todos muito decentes. Não duvido que Teresa e Elena são de boa família. Mas cada vez que vão a Santiago, compram vestidos com decotes profundos e jeans que a elas lhes comprimem as ancas e a mim o ar.»

* «Margarida está lindo o mal e a brisa traz o aroma subtil a flor de laranjeira.»

[Antonio Skármeta, Un padre lejano (Versão final Outubro 2009); em tradução para a Teorema]

Sem comentários: