18 de abril de 2010

À mão de ler (2)

«Não quero parecer antipático. Sei que deve ser muito relaxante para si não ter de se preocupar com o temporizador – afinal, fui eu quem reparou no problema. Quanto à presença do Sr. Crawford, tendo eu próprio o meu lado de palhaço amador – já lhe tinha contado? – sei como é estimulante um público ao vivo, por mais reduzido ou envelhecido que seja. Afinal, de que servem as palhaçadas se não há ninguém para rir? Claro que não estou a sugerir que o Sr. Crawford estaria a rir. Pelo contrário. Que esta ele a fazer? Mal lhe pergunto isto, sou assaltado por enxames de imagens mentais, e faço o que posso para as enxotar. Apesar de ele estar no piso de baixo e saber tudo sobre máquinas fotográficas, tem a certeza de que ele é a melhor pessoa para isto? Que idade tem ele?
Os planos para o festival vão de vento em popa. O festival cresce a bom ritmo, neste instante em que falamos. Aqui no escritório, pomos as mãos em pala sobre os olhos e contemplamos adiante. O festival engrandece, como um balão. Apesar de deitados ao chão pelas voltas da sua corpulência, lutamos com ele. Criámos comités para controlar todos os aspectos e derivados. Acha que carrinhos-de-choque poderiam ser de trop? Pensei que poderíamos dar aos carros os nomes das modas literárias – Romantismo, Realismo, etc. – e uma pessoa escolhia a sua filiação e batia contra os outros. Já leu Rimbaud?»
[Sam Savage, O Grito da Preguiça; trad. Fernando Villas-Boas, Planeta, Fevereiro 2010]

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