«Um dia, andava na rua e o giro até corria bem, embora fosse um dos novos, e pensei: Meu Deus, talvez seja esta a primeira vez, em dois anos, que vou conseguir almoçar!
Estava com uma ressaca terrível, mas ainda assim tudo corria bem, até ter pegado num monte de cartas endereçadas a uma igreja. A morada não tinha número, só o nome da igreja e da avenida que ficava defronte. Subi as escadas, ressacado. Não consegui descobrir nem uma caixa de correio, nem uma única pessoa ali. Algumas velas a arder. Umas tacinhas para mergulhar os dedos. E o púlpito vazio que me observava, e as estátuas todas, vermelhas, azuis e amarelas, as portadas das bandeiras fechadas, uma manhã terrível de calor.
Ó Meu Deus, pensei.
E saí.
Dei a volta até à parte lateral de igeja e descobri umas escadas. Desci-as e entrei por uma porta aberta. Sabem o que vi? Uma fiada de casa de banho. E chuveiros. Mas estava escuro. As luzes todas apagadas. Como é que um tipo há-de descobrir a merda de uma caixa de correio às escuras? Então, descobri o interruptor. Liguei-o e as luzes da igreja acenderam-se, dentro e fora. Avancei até à sala seguinte e havia batinas de padre estendidas em cima de uma mesa. Estava lá uma garrafa de vinho.
Por amor de Deus, pensei, quem mais poderia ser apanhado numa cena destas senão eu?
Agarrei na garrafa de vinho, deu uma boa golada, deixei as cartas nas batinas e voltei aos chuveiros e às casa de banho. Apaguei as luzes, caguei às escuras e fumei um cigarro. Ainda pensei em tomar um duche, mas imaginei as manchetes: CARTEIRO APANHADO A BEBER O SANGUE DE CRISTO, NU, NUMA IGREJA CATÓLICA APOSTÓLICA ROMANA.
Resumindo, já não tive tempo para almoçar e, quando regressei, o Jonstone fez-me um relatório por ter chegado vinte e três minutos atrasado.
Mais tarde, vim a saber que a correspondência para a igreja costumava ser entregue na casa paroquial, logo ao virar da esquina. Mas agora, como é óbvio, já sei onde é que posso ir cagar e tomar um duche quando estiver na mó de baixo.»
(Charles Bukowski, Correios; trad. Rui Lopes, Antígona, Abril 2010)
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