23 de abril de 2010

Nem sempre a lápis (8)

Conheci-o a amanhar peixe no mercado, encontrei-o a servir à mesa da pastelaria; para lá da rua do Candeio, apagada essa função. Tive receio de lhe dizer, «Acabaste o prato e passaste à sobremesa», a sorrir. Há coisas que não se devem dizer nem a sorrir, a pessoas que levavam o peixe que sobrava para comer com os pais e os irmãos, alheias a um Sorriso Aos Pés da Escada (Henry Miller).
Ando pelo Sul sem endereço, com o sabor intacto da transgressão.

Sempre que ouvia as badaladas do relógio da igreja, quedava-me à entrada de uma viagem não reconhecida; era assim na praia, mais fortes de frente para o mar; foi assim em casa, mais veladas nas traseiras. Quando ouvi as badaladas aceitei a sina ubíqua de um relógio comum a duas igrejas: esta aqui, voltada para o mar; a outra ecoada ao fundo e à entrada da aldeia serrana do meu pai, no concelho de Celorico da Beira. A noite está calma, a lua cheia; escrevo no bloco apoiado na versão Hiperión dos Poemas sufíes (Rumi), com os pés apontados para Sueste e o computador ligado na sala.

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