13 de abril de 2011

«É bom trabalhar nas Obras» (85)

«Jamais esquecerei o dia da invasão. A cidade ficou petrificada num desvario de terror. O primeiro movimento foi correr para as igrejas. Nem sequer houve a ideia de uma resistência organizada. Falou-se que se tentaria travar batalha nos arredores de Tapachula, unicamente para mostrar ao mundo que tínhamos vitalidade, pois a palavra de ordem foi sempre alistar-se na linha Veracruz-Puebla-Acapulco para defender a capital.
Era o dia de aniversário do Nuñez, o meu vizinho. Na sala pesava a mesma angústia que na rua. Os rumores eram todos absurdos. Em cada frase podia sentir-se o abatimento. Ninguém pensava em resistir e, perante o perigo, o egoísmo levanta-se feroz e brutal. O ódio ao inimigo era terrível, não pela perda da pátria, mas pelos desastres particulares que a derrota traria consigo.
Uns temiam o seu emprego no governo, outros perguntavam-se se iam continuar a pagar juros aos bancos. Com a perda do Estado via-se o fim da comodidade pessoal. Tal indignação esgotava o patriotismo que aquelas pessoas davam de si. No fundo de cada proposta havia a ideia imutável da capitulação, o horror pela luta, a ânsia de não perder o lugar, o receio de que os juros não fossem pagos.
Na nossa fraqueza egoísta, cada um de nós julgava o país vítima do seu próprio abatimento. A sugestão de criar guerrilhas que apoiassem o nosso reduzido exército, de formar milícias ou colunas móveis, era tomada com um encolher de ombros –: Para quê? Não se pode fazer nada. Seja como for, vão esmagar-nos.
Abeirei-me da janela. A colina e o seu castelo recortavam-se com uma tristeza enorme no firmamento sujo. Senti que algo tinha terminado para sempre. Perto do nosso bairro, no Paseo de la Reforma, havia uma multidão silenciosa. Dos edifícios mais altos caía o mesmo sentimento de aterrada abstenção, de concentração egoísta, de medo obscuro.
Vindos pela Avenida Veracruz apareceu um numeroso grupo de jovens a cantarem o Hino Nacional e incentivavam a multidão. Nenhum gesto lhes respondeu. Naquele silêncio gelado, o seu entusiasmo abateu-se como uma bandeira que por falta de brisa cai ao longo do mastro. A tentativa de heroísmo apagou-se entre a indiferença pública. Disse para comigo: – Estamos perdidos.
Nuñez tirou-me das minhas reflexões. Queria mostrar-nos o novo leitor de vídeo e o televisor de ecrã enorme que tinha adquirido no contrabando com os seus dólares depositados em Brownsville, Texas. Pusemo-nos a ver uma comédia musical enquanto o exército inimigo atacava por ar, mar e terra.»
[José Emilio Pacheco, O princípio do prazer; em tradução para a Colecção Ovelha Negra / Oficina do Livro]

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