Digamos que ele devia enforcar-se por ter descoberto que escrever bem é tremendamente difícil. Depois, devia ser esquartejado sem piedade e forçado por si próprio a escrever tão bem quanto possível para o resto da vida. Pelo menos, teria logo a história do enforcamento para começar.
E quanto àqueles que ingressaram na vida académica? Considera que os muitos escritores que ganham a vida no ensino comprometeram as suas carreiras literárias?
Depende daquilo a que chamar comprometer. Usa a palavra no sentido da mulher que está comprometida? Ou trata-se do compromisso do estadista? Ou do compromisso que se estabeleceu com o merceeiro ou com o alfaiate no sentido de lhe pagar um pouco mais mas apenas mais tarde? Um escritor que escreve e ensina deve ser capaz de fazer as duas coisas. Há muitos escritores competentes que já provaram que isso é possível. Eu sei que não seria capaz de o fazer e admiro aqueles que o conseguem. Creio, no entanto, que a vida académica poderia colocar um ponto final na experiência exterior, o que poderia talvez limitar um maior conhecimento do mundo. O conhecimento, contudo, requer uma maior responsabilidade por parte do escritor e torna a escrita mais difícil. Tentar escrever algo com um valor intemporal é uma ocupação a tempo inteiro, mesmo que a tarefa de escrever propriamente dita ocupe apenas algumas poucas horas por dia. Um escritor pode ser comparado com um poço. Há tantos tipos de poços quanto escritores. O importante é ter boa água no poço, e é melhor tirar dele uma quantidade regular do que usar uma bomba de água, secá-lo e esperar que ele volte a encher-se. Reparo que estou a afastar-me da questão, mas é que a questão não era lá muito interessante.
Sugeriria a um jovem escritor que trabalhasse num jornal? Que importância teve a sua formação no The Kansas City Star?
No Star éramos obrigados a aprender a escrever uma frase declarativa simples. O que é útil para toda a gente. O trabalho de jornal não prejudica um jovem escritor e pode mesmo ajudá-lo se ele sair de lá a tempo. Esta frase é uma das mais poeirentas de que há memória e peço desculpa por isso. Mas quando as perguntas são velhas e gastas você arrisca-se a receber de volta respostas gastas e velhas.»
[Ernest Hemingway, Entrevistas da Paris Review; trad. Carlos Vaz Marques, Tinta da China, Outubro 2009]
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