Certo dia de Natal representou-se uma peça de Hans Sachs orientada pelo mestre-escola. Era uma boa peça, e eu escrevi para o jornal da região uma crítica que o gerente do hotel se encarregou de traduzir. Noutro ano, um antigo oficial da marinha alemã veio, com a sua cabeça rapada e coberta de cicatrizes, fazer uma conferência sobre a batalha da Jutlândia. As projecções mostravam os movimentos das duas esquadras, e o oficial de Marinha serviu-se de um ponteiro de bilhar para indicar pormenores quando salientou a covardia de Jellicoe. Por vezes, exaltou-se ao ponto de lhe falhar a voz. O mestre-escola estava com medo que ele enfiasse o ponteiro pela tela dentro. Finalmente, o antigo oficial de marinha não conseguiu dominar a exaltação e toda a gente que estava no Weinstube se sentiu constrangida. Só o promotor público e o capitão de Polícia beberam com ele, e ainda assim numa mesa à parte. Herr Lent, que era natural das margens do Reno, não quis assistir à conferência. Havia um casal de Viena que viera para esquiar, mas ele e ela não queriam ir para a alta montanha; partiram para Zurs, onde, segundo mais tarde soube, morreram numa avalancha. O homem disse que o conferente pertencia ao número daqueles porcos que haviam arruinado a Alemanha e que, daí a vinte anos, o tornariam a fazer. A mulher que o acompanhava aconselhou-o em francês a manter-se calado, acrescentando que aquilo era uma terra pequena e que nunca se sabia o que poderia acontecer.»
[Ernest Hemingway, Paris É Uma Festa; trad. Virgínia Motta, Livros do Brasil, Colecção Dois Mundos, s.d.]
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