«Mas aquilo de que eu realmente precisava era de ficar sozinho por uns momentos. Assim, peguei na oportunidade que ele me oferecia, a toda a pressa. O meu quarto constituía um tranquilo refúgio numa ala evidentemente desabitada do edifício. Como não tinha absolutamente nada que fazer (já que não chegara a desfazer as malas), sentei-me na cama e entreguei-me às influências do momento. Inesperadas influências…
Em primeiro lugar, surpreendia-me o meu estado de espírito. Surpreendia-me não me sentir mais surpreendido com o que se passara. Como era possível? Ali estava eu, dotado de um lugar de comando, num abrir e fechar de olhos, de modo que não se encontrava nada em harmonia com o curso normal das coisas humanas, como se por efeito, pelo contrário, de um passe de artes mágicas. Por isso devia estar louco de espanto. Mas não estava. Sentia-me bastante na situação das pessoas que entram nos contos de fadas. Nada as admira. Quando lhe aparece uma carruagem de gala, completamente equipada, feita de uma abóbora, para a conduzir ao baile, a Gata Borralheira não solta a mais pequena exclamação se surpresa. Sobe para o coche, em perfeito silêncio, e é levada pelos cavalos para seu maior bem na vida.»
[Joseph Conrad, A Linha de Sombra; trad. Maria Teresa Sá e Miguel Serras Pereira, colecção Mil Folhas, jornal Público, Abril 2003;
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