«O que sentia na altura era já um tal turbilhão de impressões que aquela informação vertiginosa parecia não fazer a mais ligeira diferença. Deixei-a cair dentro do caldeirão a ferver do meu cérebro e aí a guardei para comigo, após uma breve, mas expressiva, viagem de despedida com R. O favor dos grandes deste mundo desprende um halo à volta do objecto bafejado pela sua escolha. Por isso aquele excelente R. gostaria de saber se lhe seria possível fazer por mim alguma coisa. Conhecia-me apenas de vista e sabia perfeitamente que não voltaria a pôr-me a vista em cima; eu era, na companhia dos outros marinheiros do porto, um novo motivo de escritas oficiais, campo onde ele preenchia os respectivos modelos com toda a sofisticada superioridade de um homem de caneta e papel em relação aos outros homens que, entretanto, se encontram em luta com a realidade da vida fora dos muros sagrados dos edifícios públicos. Que fantasmas não devíamos nós, homens do mar, ser para ele! Meros símbolos de jogos malabares nos livros e nos registos volumosos, privados de cérebro, de cuidados, de dificuldades; coisas de grande utilidade, mas decididamente de natureza inferior.
E ele agora, terminado o serviço da repartição, queria saber se não me poderia ser útil nalguma coisa!»
[Joseph Conrad, A Linha de Sombra; trad. Maria Teresa Sá e Miguel Serras Pereira, colecção Mil Folhas, jornal Público, Abril 2003;
Sem comentários:
Enviar um comentário