17 de junho de 2010

À mão de ler (35)

«Rajamanickam falava, o meu gravador girava, eu tomava notas automaticamente e a minha mente brincava com as palavras que vinham dele. Sentia que no fundo tinha razão. Não que eu esperasse uma vida melhor do que aquela que já vivi, mas a ideia de que a parte melhor estava ainda para vir parecia-me conter uma lógica natural. Até à idade que tenho fizemos o nosso dever, pagámos a nossa dívida para a manutenção da sociedade pondo filhos no mundo e trabalhando. Representámos o papel que escolhemos ou que nos foi atribuído. Comportámo-nos como deve ser, mostrámos o que valíamos e agora, por fim, somos livres. Livres mas não, claro está, para nos reformarmos. Reforma, entendida como a fase da vida em que somos pagos para não fazer nada? Até isso, que mal-entendido! Mais uma interpretação materialista da velhice! A reforma é agradável para aqueles que tencionam pintar, ir à pesca, escalar montanhas, ou que têm romances para escrever. Para mim isto de avançar na idade significa apenas tornar-me mais franco, desenvolto, poder cada vez mais dizer o que penso, ocupar-me daquilo que julgo ser importante, mesmo que assim não pareça aos outros. Agora pode-se finalmente ser livre, como em jovem não nos é permitido ser. Agora podemos viver fora dos esquemas, fora das regras que mantêm a sociedade. Só na minha idade nos podemos permitir a loucura de passarmos por loucos.»
[Tiziano Terzani, Disse-me Um Adivinho; trad. Margarida Periquito, Tinta-da-China, Novembro 2009]

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