24 de junho de 2010

Nem sempre a lápis (47)

Um dia destes, se a BT me mandar parar e manifestar curiosidade em ver a espaçosa bagageira da carrinha, ainda me convidam a soprar no balão. A mim, que não molho o bico fez vinte e dois anos em Maio; aproveitei a solidariedade do dia e trespassei a adega aos trabalhadores, assim o afirmava, à maneira dele, Salazar: «Beber, é dar de comer a um milhão de portugueses»; ele há datas que nunca mais se esquecem. Encaldeirei-me talvez por ter ido a Lisboa levar as provas, revistas pelo revisor, de Um Pai de Filme – e não Um Pai Ausente, assim o decidiu à última da hora Antonio Skármeta e, em princípio, o autor é que sabe – e aproveitar a deslocação para assistir à apresentação do DVD & etc., de Cláudia Clemente, na fnac. Cada vez que ouço o Paulo da Costa Domingos dizer, triste e carinhoso, «o Vitor não deve aparecer, já está velhinho», envelheço de uma forma brutal, ainda privado do diminutivo. Calcorreei as ruas e avenidas com pisar flâneur recuperado no Sul e em Asilah, a ver a cidade ao telemóvel, secretária febril de sms, embandeirada, estridente, plasmada em plasmas, suja, desleixada, pretensiosa, linda de se morrer, a pé e de sandálias, invadida de mochilas e de ténis e de botas radicais e insuportáveis, dissecada e aberta no plano, no mapa, na radiografia, segura por mãos indecisas, e eu a ver, trocando o olhar pela curiosidade de quem me olhou, alguém sugeriremos a quem nos sugere; um dia destes, lembrava eu, a BT ainda me manda soprar no balão, apenas porque não há meio de trazer para casa uma chapa esmaltada, um reclame, dos Vinhos Abel Pereira da Fonseca, com um Sol que vi estampado nas bandeiras da Argentina; ocupação selvagem do marketing. Parece que havia futebol, mas nenhum pombo me cagou em cima enquanto bebi um café, caríssimo, na esplanada do Nicola, a fazer de conta que estava em Barcelona, talvez por causa das barras azuis das bandeiras; daltónico quanto convém. Como não gosto de televisão, não posso dizer mal da programação; obrigado Cossery, vieste mesmo a calhar. Vim para casa, onde me encontro; a noite está serena, as mariazinhas crescem no vaso, entre as pedras. É o meu Rif, em miniatura; iluminura.

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