17 de junho de 2010

Nem sempre a lápis (40)

Deitei-me por volta das seis da manhã, mas não consegui pregar olho; ainda estavam em cena o concerto das gaivotas e os efeitos especiais na cercadura da janela, com a lua em fundo. Puxando um pouco mais os cordões à escrita, digamos que só faltavam os Police para me sentir no Estádio do Belenenses com o Rui Simões; curta-metragem. Levantei-me e fui à janela da sala espreitar se o Manel Careca já tinha aberto o Café Unissexo – há falta de imaginação para todos os gostos – e tomar o pequeno-almoço a darmos à taramela. Aproveitei a oportunidade para ensaiar diálogo em Asilah, perguntei-lhe se não tinha vergonha de me pedir euro e meio por uma garrafa de litro e meio de água; a princípio ainda se riu, era o que interessava, deixei-o a falar às moscas quando entrou em pormenores comerciais. Abasteci-me de tabaco e mortalhas, muito em conta, comprei uma afiadeira que parece um tanque, reminiscências de Cavalaria 4, fui ao talho e à padaria; não havia anonas na praça e, sem saber porquê, ocorreu-me esta frase de Tiziano: «Passei a tarde a introduzir notas no computador.» Retive a responsabilidade do acto; há dezassete anos a fronteira entre a máquina de escrever e o processador de texto ainda era considerada uma operação de risco, ensombrada pela incompreensível amnésia do disco rígido. Quando não escrevo a lápis, como agora, também já não puxo da Hermes 2000 – só para a fotografia e se for capa de revista –; habituei-me a abrir um linguado em branco, sensível às calinadas e concordâncias. Mas nem sempre estamos de acordo; esquece-se que ainda ele não era sonhado nem nascido já eu sabia ler e escrever. Como estou com o Office meio avariado, mas sem paciência para o levar ao neurologista, percebi que posso introduzir as notas como rascunhos do blogue e seja o que Hermes achar por bem.

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