29 de junho de 2010

Nem sempre a lápis (49)

Desde que activei o blogue, há dois meses e pouco, fui-me afastando do espírito anotador de citações; não por acaso, comecei o ano a braços com a então gravidade de não dispor de uma citação que lhe abrisse o mês. Quando nada me faz tropeçar durante a tradução ou a leitura em mãos, recorro às que fui coleccionando ao longo de ano meio em O Cheiro dos Livros, como abertura de cada edição da minha revista, da minha presença electrónica; chamemos-lhe editorial: às vezes, lá calha... E calha ocorrer-me o desinteresse conquistado pela work in progress – o meu livro póstumo, na intimidade apaparicada da solidão –, não anotando citações publicadas no blogue para não falsear a sequência cronológica e tão somente mensal da coisa destinada à impressão doméstica. Ganhará um, outro perderá, é a lei natural das coisas; a natureza intrínseca da permuta, enquanto comunicante. Terminada a minuciosa revisão de Hernández, o suficientemente para a entregar ao cuidado e à impiedade do revisor, arquivado o original fotocopiado e o da tradução, passei o fim-de-semana refugiado na toca a navegar até me doerem os olhos; fui pôr a carrinha a trabalhar, parada há duas semanas; ocupei o lugar vazio de Contos Reunidos com as folhas fotocopiadas de Dublinesca (Vila-Matas) para preparar a tradução. Comecei por fazer o trabalho da praxe: abrir a página de rosto, badanas, contracapa, dedicatória e citação se a houver, para no dia seguinte me entregar ao miolo. Mas foi mais forte a tentação de copiar o primeiro período, também começado em Maio, para corrigi-lo no espaço público do blogue, onde se encontra agendado após o ciclo dedicado ao encontro sobre a tradução de As Vozes do Rio Pamano (Jaume Cabré), integrado numa curiosa parceria entre a Pó dos Livros e Catalunya Apresenta. E foi deitado, a esmifrar a vertiginosa aproximação do final de Disse-me Um Adivinho, que guardei para mim esta comovente citação de Tiziano Terzani: «À noite – não sei se o sonhei ou se o imaginei de olhos abertos – vi-me deitar fora um dicionário com que trabalhara até então e pegar noutro que só tinha palavras positivas.»
À noite, sempre que as vagas de vento abanam o cortinado de tela – cadenciado como um cata-vento e não o alarme de um espanta espíritos –, enchem-me o quarto de mar.

1 comentário:

Cristina Gomes da Silva disse...

Desses dicionários é que eu gosto. Boa semana :-)