25 de junho de 2010

Nem sempre a lápis (48)


Estimados leitores – futuramente perturbados com o que se espraia aos vossos olhos, se não virem gorado o esforço para chegarem ao fim desta linha –, recentemente chegada de Nova Iorque, onde se terá deslocado para colher formação que lhe permita entrevistar-me para uma conceituada revista internacional de arte (vírgula) solicita-me a minha amiga e ex-colega (eu sei que colegas são as putas, não te rales; distinguem-se cada vez menos, a crise…) do falecido Diário de Lisboa, publicação vespertina onde tínhamos um especial condão para nos pegarmos, em acertados e invariavelmente certeiros dias, prosseguindo o convívio estabelecido, saudosos anos antes, à mesa da entrada da Cervejaria da Trindade, no passadiço d’A Brasileira, abancados no 13 da rua do Norte; pede-me a Lourdinhas, na intimidade ortográfica do nome, que lhe bata uns dois mil narcisos à pala do Zé Povinho.
O Zé Povinho?, interrogou-se a minha incredulidade electrónica ao abrir o e-mail, prontamente socorrida por um busto de louça empoleirado atrás do balcão de uma tasca manhosa. Apreciei-lhe a espontaneidade do gesto, confesso. Não posso dizer que o pedido me estragou o dia, mas passei-o sentado a observar os exemplares do Museu de Antropologia atraídos até às esplanadas pela força do astro-rei, cada vez mais preocupado com a responsabilidade de satisfazer o pedido em tempo útil – três dias, frisou bem – a lavrar considerações sobre o Zé Povinho. Ah, polvinho à lagareiro, como tu marchavas aviado pelo labrego de suíças em barro modelado – ashes to ashes –, que terá satisfeito a sofreguidão criadora de Bordalo. Minha querida Lourdes Féria (posso chamar-te Lourdettes, só para te ver os olhos felinar um bocadinho?), lamento desapontar-te, esforcei-me, não consenti que nada – e tanta coisa havia – me desviasse a atenção, mas é como te digo: Zé Povinho, já não temos; deixou de se fabricar, possíveis normas comunitárias. Em contrapartida, talvez as tuas ausências no estrangeiro ainda não te tenham permitido confirmar, que, bafejados precisamente pelas normas comunitárias, passámos a dispor de uma vasta gama, colunável até à clonagem, do Zé Parvinho. Não sei se serve, mas foi tudo o que a realidade me ofereceu sobre o tema: o Zé Parvinho. Grato pela confiança generosamente depositada na minha modesta e, por ventura, discutível conclusão. Olha, depois não te esqueças de apresentar a livreira que te encomendou o desabafo.
[Lourdettes, pirei-me para Asilah e nunca mais me lembrei de dar a volta ao texto – ocultar o lado íntimo –, mas as saudades de viajar e de ti, ficam aqui firmemente repostas e o Zé Parvinho que se lixe. Até breve, ou… cioleiter.]

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