18 de junho de 2010

Nem sempre a lápis (41)

Jantei um hambúrguer simples e um galão servido em copo com asa de vidro, na última mesa da esplanada da lota; refrescado pelo bafo húmido de Sueste a distrair-me o estudo da tarde, às oito e meia, o repouso das nuvens vivas. Guardei três pacotes de açúcar vazios para marcar leituras, reescritas nesta agenda do ano passado; deitadas sobre as semanas.
Não tarda nada e lá vou eu, com a Nico e Tarifa e Tânger a ganharem contornos de baías ventosas e colinas verdes no horizonte; Estreito. Asilah fica só uns quilómetros mais abaixo, de autocarro pela velha estrada litoral; o comboio transformou-se numa relíquia com cadência de relógio de Sol, interpretada por Nash & Crosby. Não vejo a hora de andar sem prótese e com o gorro de lã, até despir os chinos e ficarem em pé. Secretamente, alimento a esperança de deixar em Asilah o último dente do maxilar superior; atirava eu mesmo as minhas cinzas ao mar, não como atiraram as de Bryon Gysin no cabo Espartel, em 1986. Vai ser o bom e o bonito, ver os filósofos dirigirem-se a mim nas esplanadas e voltarem-me as costas, entre insultos; pensam que sou um emigrante a armar ó estrangeiro, mas também já sucedeu cairmos no sebsi e desatarmos a rir com o equívoco que me delicia. Quando acontece, manifesto curiosidade por saber o que me chamaram, insisto que entalhem o amuleto no bloco; como é em árabe, para mim são melodias de sempre e fico todo contente por ser a minha vez de lhes pregar uma partida. Grasna gaivota, grasna para aí, olha que há muito tempo que não me levantava para escrever de cuecas e sandálias: «Ama a pessoa com quem te casas e não te cases com quem amas.» (princípio asiático citado por Terzani)

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