28 de junho de 2010

À mão de ler (43)

«Gasull meteu a chave na fechadura e abriu. Entraram os três de repente no quarto. O senhor Santiago Vilabrú Cabestany (dos Vilabrú-Comelles e dos Cabestany Roure) estava a praticar um elaboradíssimo cunnilingus a uma mulher jovem e exuberante, que Elisenda reconheceu imediatamente como a puta assanhada da Recasens. Tita, a irmã de Pili, sim, a Milonga, como lhe chamavam.
O senhor Santiago, nu e com o sexo a postos, voltou-se assustado. Empalideceu quando viu a sua querida esposa, que havia já um par de meses ou mais que não visitava, tirar o véu do rosto e avançar em direcção a ele e Tita Recasens, que nesse momento fechava as pernas, ainda desorientada. Santiago Vilabrú tapou o sexo decrescente com as duas mãos, enquanto Tita saltava da cama com a intenção de desaparecer.
– Tu não te mexas – disse Elisenda, autoritária.
O casal furtivo estava tão surpreendido que não fazia a menor ideia como contra-atacar. Tita não se mexeu e Santiago manteve-se de pé, pálido, vermelho, verde, desejoso de estar noutro sítio.
– Agora – disse Elisenda – vais assinar umas quantas coisas.
– O que é que se passa? O que é que queres?
– O senhor Carretero – anunciou apontando para o homem gordo – está a lavrar a acta notarial da situação.
– Queres chantagear-me…
– Não sei. – Para Tita Recasens –: O meu marido vem aqui duas vezes por semana. Uma vez contigo e a outra com uma prostituta. – Com um sorriso amável –: Tem cuidado não te tenha pegado alguma doença, porque gosta de bacanais.
– És uma…
– Sim. Queres que te diga o que é que tu és?
– Um momento, que me vou vestir.
– Não. Tu ficas aqui e quieto.
– Nem pensar.
– Muito bem. – Elisenda para Tita Recasens –: A tua maquilhagem aguentou-se, rainha? – E num tom seco, para Gasull –: Os fotógrafos que entrem.»
[Jaume Cabré, As Vozes do Rio Pamano; trad. Jorge Fallorca, Tinta-da-China, Setembro 2008;
foto: Jaume Cabré com Yuri Jívago um dos protagonistas de As Vozes Do Rio Pamano]

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