15 de junho de 2010

Nem sempre a lápis (38)

Amanhã – por esta hora, nem faço ideia que horas sejam – conto estar instalado na casa de ninguém para seguir até Asilah; conto estar no Sul, de calções e sandálias e defendida a liberdade das mãos pelos bolsos da camisa trocada o ano passado, em Porto Covo. Com pouco me contento; não sou «de boa boca». Ultimamente, até passou a ser possível andar descalço por casa e a dormir com as janelas todas abertas; sôfrego de vento. Entretido a jogar com a memória, lembrei-me que decorreram dois anos desde que escrevi, durante quatro meses, a data por extenso. Contaminado com a tradução d’As Vozes do Rio Pamano (Jaume Cabré), julgo ter captado na extensão da data a manifestação de passado que escrevia ainda no presente; eliminava a impessoalidade analógica da enumeração. E estava certo; guardo dentro deles as opiniões sobre os livros entretanto saídos, para que envelheçam como os que guardei num arquivo que já não me pertence, nem transporto comigo.
«O cinema das minhas recordações é mudo. Se para recordar posso pôr os meus olhos velhos, os meus ouvidos são surdos às recordações.» (Felisberto Hernández)

Sem comentários: