«Muitas vezes, tratava-se só de uma imagem. Uma mulher na água com uma toca de banho de borracha. Às vezes, era só uma frase: Foi bastante natural que Reyes se unisse à nossa equipa, em Oxford. Anotava esses restos e depois relacionava-os com os sonhos anteriores, como se fossem um só relato que se ia armando em fragmentos descontínuos. Sonhava sempre com a mãe, via-a com o cabelo vermelho, a rir, no pátio de terra que dava para a rua. Não ficava tranquilo enquanto não conseguisse que as imagens se integrassem naturalmente. Era um trabalho intenso, que lhe levava parte da manhã.
As anotações na parede era uma trama de frases unidas entre si com flechas e diagramas; havia palavras sublinhadas ou envoltas em círculos, ligações rápidas, linhas e desenhos, fragmentos de diálogo, como se na parede trabalhasse um pintor que tentava compor um mural – ou uma série de murais – a copiar um hieróglifo na escuridão. Parecia uma historieta, na realidade, uma banda desenhada a preto e branco, com o balãozinho dos diálogos e as figuras que iam montando uma trama. As aventuras de Vito Nervio, disse Luca, e olhou-nos com um sorriso cálido; alto e forte, a cara avermelhada e os olhos celestes, com as costas apoiadas nas pareces escritas da fábrica, sorria.
A sua ilusão, então, consistia em registar todos os seus sonhos durante um ano, para poder por fim intuir a direcção da sua vida e actuar em consequência. Um plano, a antecipação inesperada do que virá. Havia, por fim, entendido que a expressão estava escrito, se referia ao resultado dessas operações de registo e de interpretação dos materiais subministrados pelo inconsciente colectivo e os arquétipos pessoais. Os seus sonhos – ia confessar mais tarde – eram antecipações herméticas do porvir, as partes descontínuas de um oráculo.»
[Ricardo Piglia, Alvo Nocturno; em tradução para a Teorema;
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