«O especialista perguntou-me se tinha família. Respondi-lhe que não. Pareceu ligeiramente desapontado, como se a minha situação de pessoa só fosse afinal o pormenor mais grave de tudo o que ali se ia passar e dizer, a primeira perda no caminho fácil do meu caso. Olhava para mim com as análises na mão. Mesmo ninguém?, insistiu, como se quisesse despertar a minha boa vontade. Abanei a cabeça e sorri de olhos sérios num espelho de moldura bege por detrás da sua nuca avermelhada. A pena do meu chapéu movia-se da direita para a esquerda. Senti então, não sei porquê, uma grande vergonha daquela pena. Ele disse: «Bem…» Acabou por ler de novo as análises. Todo aquele teatro para quê? Talvez por não saber como havia de começar… Ora, não sabia ele outra coisa! E a prática para que serve? Mas então para quê tantas demoras? Talvez para se ocupar de mim uns minutos mais… Era possível. Eu tinha pago logo à entrada quinhentos escudos – o que me tinha custado a juntar, aqueles quinhentos escudos! – à bonita empregada de rosto tecnicolor, bata imaculada e sorriso muito convencional, a acender-se e logo a apagar-se como uma chama que alguém tivesse soprado. A apagar-se, porque já não era necessário. «O senhor professor ainda não chegou, tem a bondade de se sentar…» Talvez não fosse tão grave como o outro médico dizia nos seus silêncios, nas suas meias palavras tão animadoras, no seu sorriso demasiado aberto e satisfeito, a soar a falso como Judas. Quem sabe? Talvez…
Já era a esperança.
Outra vez o sorriso vermelho e branco, os olhos grandes, debruados a rímel da empregada.
- Senhora Dona Mariana Toledo.
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