
- O meu pai procurou sempre que gostassem dele – disse Sofía –, era déspota e arbitrário, mas sentia-se orgulhoso dos seus filhos varões, eles iam perpetuar o apelido, como se o apelido fizesse algum sentido em si mesmo, mas assim pensava o meu avô e depois o meu pai, queriam que o apelido da família continuasse, como se pertencessem à família real inglesa, porque cá são assim, acreditam nisso, são todos gringos rafeiros, descendentes dos irlandeses e dos bascos que vieram cavar granjas, porque os paisanos nem a brincar, só os estrangeiros deitavam mãos à obra*. Havia um inglês granjeiro – recitou ela como se cantasse um bolero – que dizia que era de Inca-la-perra. Devia ser um desses Harriot ou um Heguy que andava a fazer granjas pelo campo e agora armam-se em aristocratas, jogam pólo nas fazendas, com esses apelidos de camponeses irlandeses, de bascos rurais. Aqui, somos todos descendentes de gringos e, na minha família, mais do que qualquer outra, mas pensam da mesma maneira e querem o mesmo.
* Nos velhos tempos, as fazendas eram separadas em granjas para impedir que o gado se misturasse. Foram imigrantes bascos e irlandeses quem trabalhou a abrir poços na pampa; os gaúchos recusavam-se a fazer qualquer tarefa que significasse descerem do cavalo e consideravam desprezíveis os trabalhos que se tivessem de fazer "a pé" (cfr. John Lynch, Massacre in the Pampas).»
[Ricardo Piglia, Alvo Nocturno; traduzido e em revisão para a Teorema;
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