16 de novembro de 2010

«É bom trabalhar nas Obras» (49)


«O seu pai não se dava conta que de tinha chegado a peste, o fim do latifúndio, a pampa estava a mudar para sempre, as maquinarias eram cada vez mais complexas, os estrangeiros compravam terras, os fazendeiros mandavam os seus lucros para a ilha de Manhattan («e para os paraísos financeiros da ilha Formosa»). O velho queria que continuasse tudo na mesma, o campo argentino, os gaúchos a cavalo, embora também ele, naturalmente, tivesse começado a fazer rodar os seus dividendos para o exterior e a especular com os seus investimentos, nenhum dos latifundiários era um sem eira nem beira, tinham os seus assessores, os seus brokers, os seus agentes na Bolsa, iam para onde os levava o capital, mas nunca deixaram de acalentar a calma patrícia, os tranquilos hábitos pastoris, as relações paternais com a maralha dos peões.
- O meu pai procurou sempre que gostassem dele – disse Sofía –, era déspota e arbitrário, mas sentia-se orgulhoso dos seus filhos varões, eles iam perpetuar o apelido, como se o apelido fizesse algum sentido em si mesmo, mas assim pensava o meu avô e depois o meu pai, queriam que o apelido da família continuasse, como se pertencessem à família real inglesa, porque cá são assim, acreditam nisso, são todos gringos rafeiros, descendentes dos irlandeses e dos bascos que vieram cavar granjas, porque os paisanos nem a brincar, só os estrangeiros deitavam mãos à obra*. Havia um inglês granjeiro – recitou ela como se cantasse um bolero – que dizia que era de Inca-la-perra. Devia ser um desses Harriot ou um Heguy que andava a fazer granjas pelo campo e agora armam-se em aristocratas, jogam pólo nas fazendas, com esses apelidos de camponeses irlandeses, de bascos rurais. Aqui, somos todos descendentes de gringos e, na minha família, mais do que qualquer outra, mas pensam da mesma maneira e querem o mesmo.
* Nos velhos tempos, as fazendas eram separadas em granjas para impedir que o gado se misturasse. Foram imigrantes bascos e irlandeses quem trabalhou a abrir poços na pampa; os gaúchos recusavam-se a fazer qualquer tarefa que significasse descerem do cavalo e consideravam desprezíveis os trabalhos que se tivessem de fazer "a pé" (cfr. John Lynch, Massacre in the Pampas).»
[Ricardo Piglia, Alvo Nocturno; traduzido e em revisão para a Teorema;

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