«Estava a ler um livro, um dos escassos livros que lia, com a sua maneira habitual de os ler: folheava-os sem ordem, detinha-se numa página, de repente apertava as mantas como se o exemplar fosse fugir; mais do que lê-los, parecia que lutava com eles, que os aprisionava; depois ficaram em casa, folhas amarrotadas e um rasto de cinza na costura das páginas.
- Escuta-me bem. – E lia –: "Um casal de gémeos: Karl e Marta Drácula. Sem nenhuma relação com o conde, posso assegurá-lo. O interessante deste caso, é que não só se sabia que um deles era humano e o outro um vampiro, como também se sabia que um dos dois era sensato e o outro estava louco, embora ninguém fizesse a menor ideia de quem era o quê. E então disseram. Karl: 'A minha irmã é um vampiro.' Marta: 'O meu irmão está louco!' Como sabemos que os vampiros mentem sempre e que os loucos estão sempre enganados nas suas convicções, que os humanos dizem sempre a verdade e os sensatos são sempre exactos nos seus juízos, qual é o vampiro?"
A seguir voltaste às tuas coisas. Apagaste conscienciosamente uma prova dos nove e limpaste retorcidas aparas de borracha do teu caderno, com as costas da mão. Levantaste um pouco a cabeça. Ele continua a olhar-te.
- O vampiro é Karl. Queres que te explique?
- Não.
Procurou a solução do enigma nas últimas páginas e saltou da cadeira com um grito de júbilo que se ouviu em toda a casa. Depois, as suas ancas começaram a mover-se para trás e para a frente, traçavam circunferências que rodeavam uma confusa área de obscenidade.
- Adivinho tudo. Não te esqueças.
Voltou a olhar-te.
- Ouve lá, tu mexes-te muito à noite. Andas a bater punhetas?»
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