«O whisky da tarde, insólito nos costumes de Ignacio, dispersava-o beneficamente. Nos últimos tempos, tinha-se entregado de maneira apaixonada e doentia ao estrito cumprimento dos horários, jornadas idênticas, luta sem tréguas para demonstrar o que, para seu orgulho, resultou demonstrável; por isso, ofendia-o perder tempo. No entanto, agora, disse para consigo, estava na disposição de jogar os miseráveis quartos e meias horas de descanso, os «um cigarro e ponho-me» à margem do dia, de saborear tardes que, uns meses antes, eram meros trâmites para o outro lado dos muros da sua vontade. Podia permitir-se achar tudo com piada.
E parecia-lhe que tudo tinha piada. Por exemplo, achava particularmente divertido que Carlos continuasse a partilhar as suas lições particulares sobre conquista feminina, quando, há que tempos que ali não estavam as causadoras da sua admiração, primeiro, e depois, do seu arrevesado discurso. Tinham trocado olhares com miúdas, enquanto levantavam e baixavam os copos, expiravam o fumo dos cigarros, e os sapatos delas se balançavam, cronometricamente, na ponta dos pés a calcularem um tempo que só elas decidiam. Miúdas que deviam cheirar muito bem, que guardava o melhor de si mesmas para o momento culminante, que gritariam na cama, que seriam doces ou impertinentes, miúdas distantes, miúdas com um encontro marcado, miúdas que liam e levantavam, continuamente a vista do livro, que colocavam a voz e se mostravam falsas quando voltavam a falar com as amigas, e as amigas notavam algo. Já se tinham ido todas embora. E ele, não era um cobarde.
- Não sou um cobarde – afirmou Ignacio.
- És. Quanto queres apostar?
- O que quiseres.
- Posso escolher? Entras num bar, bebes três whiskies com três pacotes de amêndoas e sais sem pagar. Aposto este disco. Chester Winchester. O meu tesouro.»
Sem comentários:
Enviar um comentário