Ainda há uma semana estava tão desgostoso por ter lido Bibliotecas Cheias de Fantasmas, em duas brevíssimas noites; incomodei dois livreiros à procura de A Casa de Papel e a menina do Apoio ao Cliente da ASA (simpática e diligente), como se andasse à procura da Lua, de uma primeira impressão de Os Lusíadas. Afinal, o livro foi reeditado quatro anos depois, em Maio – não travámos conhecimento na Feira, porque Bonnet ainda não era visível para nos apresentar –, com a mesma paginação de GSamagaio da edição de Fevereiro de 2006, mas capa de José Manuel Reis, francamente mais em conformidade e bonita do que a da extinta colecção Pequenos Prazeres; mesmo só vista na Net. Na quinta-feira, quis a fortuna que a planeada ida aos livros a Lisboa, tenha sido interceptada pelo e-mail da Teorema a avisar o lançamento de Um Pai de Filme, fazendo com que duas, numa só, eliminassem a estucha da repetição. Apeei-me nas Amoreiras, desci a rua e atravessei o jardim a fumar um charro oportunamente enrolado em casa; observei dois veículos (um Lada Niva bordéus e um Honda Civic branco, de 92) e senti-me tentado a deixar um bilhete no pára-brisas, onde apelaria «Caso esteja interessado em vender, agradeço que tenha em consideração os meus sessenta anos (telemóvel); referências na livraria que abriu ao lado». E nela voltei a entrar, desta vez em tarde soalheira que me permitiu verificar que a denominação Dona Rústica tinha sido actualizada pela omissão, e a Trama, onde entrei, não era a que se anuncia mais abaixo. Fui recebido pelo Ricardo e o Tiago Sousa, ainda a desencaixotar; a música passou a CD. Será que ainda não tiveram tempo ou ainda ninguém lhes ensinou e não sabem, que um chão de tijoleira daqueles precisa de uma boa esfrega semanal de piassaba com sabão amarelo e lixívia? Lindo de se morrer, quando tiver sofá; porque tinham, afinal tinham a resposta que duas semanas antes não me deram: Pergunta Ao Pó. Encaixei a questão dentro do envelope deixado pelo Paulo da Costa Domingos, apontei para o Príncipe Real sem ligar peva ao assédio do Café Orpheu e desci a rua do Século. Fiquei francamente surpreendido com a manifestação da crise na galeria de arte homónima, embora mais nova – Mas o que é que te deu, Carlos Barroco? Pague 1 e leve 2? –, pensava, a encaminhar-me para a Letra Livre, onde tinha encontrou marcado com Matsuo Bashô, há uns meses. Seguindo O Caminho Estreito Para o Longínquo Norte, cruzei-me com o Paulo em andamento no Camões, onde fiz de conta que almoçava um café e uma empada, de galinha? Sim, confirmei à carinha larocas morenita que teve a gentileza de me ajudar a montar banca, sem entornar café nas calças nem nos livros que marcavam a mesa. Recuperado da estreita e ofegante etapa – a subida da calçada do Combro, feito em escombros –, tomei a liberdade de me electrocutar um pouco na fnac, depois de acenar ao Aníbal Fernandes, ocupado, e desci as escadas só para confirmar se o pressentimento batia certo: percorri a letra W nas estantes, dirigi-me à pequena exausta, apresentada como «a minha colega dos livros», perguntei o que havia de Robert Walser, perguntou-me se em Português ou em Alemão, em português podia mandar vir. Ou terei sido eu que ouvi assim, sem o dizer? Não sei, sei que subi a sete pés o cheiro nauseabundo dos sanitários para onde descia, incauto. Regressei à superfície e entrei ao lado da memória do Café Gelo e calcei uns sapatos, só para experimentar e ver ao espelho com o par do outro na mão; dei por mim na linha amarela, com destino ao Campo Pequeno e os sapatos de origem. Não me surpreendeu ter feito o percurso sempre acompanhado por uma adolescente com umas calças de montar e botas com atacadores até ao joelho, que nunca viram sebo nem esporas, mas perfeitamente segura da elegante atitude feminina que proporcionava a quem a soubesse interpretar (neste caso, eu), por isso não terá utilizado o tapete rolante no Marquês, optando por se deslocar com passo de quem também nunca montou um cavalo. Mas isto, se não foi exactamente agora, terei pensado quando me aproximava da Pó dos Livros, acabando por voltar a entrar numa réplica da loja de calçado na Baixa, como se adiasse a surpresa de qual das edições me esperava. Passei pelo stand da Aston-Martin e devorei a hora de vantagem sobre a apresentação na Buchholz, sentado numa esplanada de sentido único na António Augusto de Aguiar, a sorrir e a ver os livros e a capa do DVD de Paul Bowles que tinha emprestado ao Paulo. Depois, ia-me dando uma coisa; Antonio Skármeta pegou no meu exemplar, dobrou-o como se fosse uma revista (das merdosas), nenhum de nós tinha caneta e receei ser mal interpretado se lhe oferecesse o meu lápis, o Carlos Veiga Ferreira emprestou-lhe uma que entrou de serviço ainda antes da apresentação; tive oportunidade de verificar quando vim à rua fumar um cigarro e aproveitei para pagar A Biblioteca (Zoran Zivkovic). Depois, cruzei-me com magotes de gente a entrar de fim-de-semana; a caminho da naite. Apanhei o autocarro semi-vazio, meti a chave à porta da casa de papel e acabei o livro com a vaga sensação de ter ficado com os dedos sujos de cimento. Hoje, como passei o dia a pensar e não a procurar, onde tenho A Linha de Sombra (Joseph Conrad), o melhor é voltar a ler o livro para não encher a minha biblioteca com mais fantasmas.
20 de novembro de 2010
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7 comentários:
não sei onde, li que um bom livro é aquele que, quando se acaba de ler, nos dá a sensação de perder um amigo.
skármeta está na minha paciente lista de espera.
imo, quase apostava que foi na «Bibliotecas»; mas ainda estou a saborear um livro que marcou a minha adolescência: «Tanta Gente, Mariana». E pensarmos que a primeira publicação data de 1959!!
pois, li aqui essa referência e despertou-me a curiosidade. para breve!
muito muito deste texto.
Marta, andar de metro também pode ser «uma viagem de comboio»; vantagens suburbanas
Ganda texto. Senti que ia a acompanhar a viagem mesmo ao lado. E, na minha humilde opinião, os bons textos são aqueles que não deixam o leitor de fora.
MCS, é como tudo; uns sentem-se excluídos, outros forçados, outros integram a viagem :)
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