Arturo mostrou-lhe as notas.
- Deu-te isso tudo? Levam assim tanto por matar uma gata?
- É a tarifa do veterinário.
- Sabes do que me lembrei?: deixá-la no parque e ficarmos com o dinheiro.
- Nunca. Imagina se sobrevive e volta? A minha tia mata-me, assassina-me de verdade. A gata andou perdida muitas vezes e regressou sempre. Se calhar volta a fazê-lo de novo.
- Mas se ela já está a morrer. Não a vês? Fazemos uma obra de caridade em arrumar com ela.
- Tenho medo. Se a minha tia se dá conta…
- Nunca saberá. Imagina o que podemos fazer com esse dinheiro: ir ao cinema, ir remar em Chapultepec, comprar toda a espécie de doces e de refrescos. Enfim…
Arturo apalpou o corpo por baixo do saco de piteira. Estará morta? É má. Florencia gosta mais dela do que de mim.
- Não. Não me atrevo. Juro-te que tenho pena da gata.
- Para todos os efeitos, vai morrer, não? Deixa o saco no meio da rua. Com tantos carros ninguém dá por nada.
- Mas ia sofrer muito. Um dia, calhou-me ver um cão…
- Tens razão. Vamos procurar outra forma.
- Dá-la a alguém?
- Estás louco?... Já sei: atiramo-la à água.
- Não sejas parvo: os gatos sabem nadar.
- Olha, vamos ao parque. A estas horas, não anda lá ninguém.»
[José Emilio Pacheco, O princípio do prazer; em tradução para a Colecção Ovelha Negra / Oficina do Livro]
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