«Cláudia abandonou-me há um ano, presa de uma loucura tão imprevisível quão absurda, que ganhou a forma de uma violenta paixão por um japonês. Houve um momento em que tive de dizer a mim próprio que Cláudia tinha ficado louca. Há comportamentos que escapam às relações de causa variáveis, mas que também escapam às relações não casuais, e então há que desenvolver outras lógicas, já a não desta ou daquela história, mas a de conjuntos completos de histórias desconexas que uma pessoa jamais chegará a compreender que têm a ver umas com as outras.
Sou escritor, poeta e ensaísta. Ao aproximar-me dos quarenta anos, a minha carreira estava próximo de um impasse que parecia definitivo. Com catorze livros publicados, todos à minha custa, tinha criado uma sólida reputação, em círculos restritos que se tornavam mais pequenos cada dia que passava. Era como a propagação das ondas de uma pedra atirada a um tanque, ao contrário. Tive então o fundado temor de que as ondas, na diminuição do seu raio, chegavam a franquear o umbral da sua transformação, e a pedra saltava expulsa da água para voltar à minha mão, onde ficaria como perene objecto de contemplação, vazio de sentido. Como isto sucedia na Argentina, de onde nunca tínhamos saído nem eu nem os meus livros, comecei a pensar que o estrangeiro me reservava alguma possibilidade desconhecida… Foi nesse transe que aceitei uma bolsa que me era oferecida pelo governo polaco para residir um ano em Varsóvia, com tudo pago, escrevendo e estudando sem preocupações materiais. Nessa altura os governos polaco e argentino tinham assinado um acordo de intercâmbio de escritores, do qual fui o primeiro beneficiário, e por causa das perturbações políticas que se seguiram, também o último.»
[César Aira, Como Me Tornei Monja; trad. José Agostinho Baptista, Assírio & Alvim, Novembro 2005
[César Aira, Como Me Tornei Monja; trad. José Agostinho Baptista, Assírio & Alvim, Novembro 2005
enfim, coisas do arco da velha]
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