«Um dia a meio da aula pedi licença à professora para ir à casa de banho. Fazia-o sempre, todos o faziam. Eu, e suponho que com os outros se passava o mesmo, não tinha vontade nem calculava o momento de pedir autorização. Era de repente. Era o único triunfo pleno que posso recordar da minha infância. Para a professora, ver a mãozinha levantada, adivinhar de que se tratava (porque nunca era nada que valesse a pena, por exemplo perguntar-lhe em que casos se usava b e em quais se usava v) e explodir, era apenas um “Vá! Mas é o último! O último!” E o que tinha tido a brilhante inspiração de pedir naquele momento, naquele momento que se revelava como o último, saía a correr louco de felicidade sob os olhares de ódio e amargura de todos os outros, que se sentiam excluídos para sempre, e sentiam perdida a sua oportunidade… Mas a oportunidade repetia-se, idêntica, e era consumada quatro ou cinco vezes em cada hora de aula. Vivíamo-la sempre como um absoluto, e a professora repetia sempre o seu ultimato, embora nunca negasse a autorização, porque as professoras da primeira classe viviam no terror, o seu único terror efectivo, de que algum de nós fizesse ali mesmo as suas necessidades. Mas não o sabíamos. Coisas de miúdos. O que me espanta é que eu tenha entrado tão bem no jogo. Mais próprio de mim, muito mais, teria sido aguentar até a bexiga rebentar. Mas não. Pedia sem vontade, como todos os outros. Nisso estava à altura da minha geração.»
[César Aira, Como Me Tornei Monja; trad. José Agostinho Baptista, Assírio & Alvim, Novembro 2005]
[César Aira, Como Me Tornei Monja; trad. José Agostinho Baptista, Assírio & Alvim, Novembro 2005]
4 comentários:
hum... bem me parecia que devia ter adquirido este livro... :)
Estás a tempo. Espera pela Feira. 7€50, creio; «A Viagem ao Baobá», 5€
fiufiu...
a minha carteira rosna, mas os olhos já salivam pelas tendas da avenida dos aliados ;)
Alia-te :)
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