«Gosto muito de Italo Clavino; gosto da sua prosa limpa, gosto dos seus romances fantásticos, gosto dos seus ensaios literários de Seis Propostas para o Próximo Milénio. Mas há pouco tempo li um curioso livro dele, Um Eremita em Paris, que reúne diversos textos, fundamentalmente autobiográficos, e que me levou a achar Calvino por vezes um pouco chato. O núcleo do volume é composto por um diário que manteve na sua primeira viagem aos Estados Unidos, efectuada em 1959 graças a uma bolsa de estudo que lhe fora atribuída. E há alturas em que é tão vaidoso! Por exemplo, escreve periodicamente para a editora italiana onde trabalha (Einaudi), enviando de cada vez várias páginas com as suas reflexões sobre os Estados Unidos; e explica à receptora das cartas: “Daniele, isto é uma espécie de jornal para uso dos amigos italianos (…), guarda-o todo junto numa pasta à disposição de todos os colegas e também dos amigos e visitantes que tenham vontade de o ler, e faz o possível para que não se perca e seja lido, de modo a que o tesouro de experiências que acumulo seja património de toda a nação.” E da nação apenas porquê? Por que não do mundo inteiro? Que prepotência tão absurda a deste parágrafo! A verdade é que as suas reflexões sobre os Estados Unidos são bastante chochas e o tesouro de experiências é antes uma pequena gaveta de bagatelas. A favor de Calvino convém dizer que, anos mais tarde, quando lhe propuseram editar este diário, ele se recusou a fazê-lo, pensando, com razão, que carecia da qualidade suficiente (a publicação foi póstuma), de modo que é admissível a esperança de que se vai melhorando à medida que se envelhece.»
[Rosa Montero, A Louca da Casa; trad. Helena Pitta, ASA, 3.ª ed. Abril 2008;
[Rosa Montero, A Louca da Casa; trad. Helena Pitta, ASA, 3.ª ed. Abril 2008;
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