15 de maio de 2011

Nem sempre a lápis (163)

Fui tomar o pequeno-almoço e ao Correio todo pinoca, casaco branco e T-shirt, jeans e ténis, vim para casa fazer horas até ir à Feira do Livro, só para ouvir os melros a «Inventar Espaço Para a Poesia». Acabei por sair do Correio com o monco caído; não precisei de correr, mas a chuva e a carga de saraiva prolongaram a espera até uma sms da Catarina. Respondi que não valia o incómodo de fazer um desvio para devolver A Cicatriz do Ar, porque tudo levava a crer que já não ia sair. Saí para beber o chá das seis e meia, mas o ar baço devolveu-me rapidamente à luminosidade da casa. Vi-a amontoada na valeta, nas sarjetas; repugnante. Não aprecio a palavra granizo, nem grasnidos que não sejam de voláteis – «o pássaro, que entre os nossos consanguíneos» (Saint-John Perse e Eliot, também) – e durante anos, que agora me parecem imensos, debati-me com a surpresa, húmida e gelada, de ver o nome do meu padrinho a cair do céu e a bater nos vidros. E saraiva ficou, como a que caiu esta tarde e foi motivo de júbilo e incómodo e surpresa e chatice, mas eu espero ter sido oportuna. Se estivesse bom tempo, como fez ontem durante a abertura da Feira do Livro, duvido que o pavilhão recebesse mais público do que as pessoas que – gostava, sinceramente – foram apanhadas desprevenidas pela borrasca e a saraivada e correram a abrigar-se no espaço, onde jovens conversavam sobre poesia sem invenções desnecessárias; ela basta. Cometi o erro imperdoável de ter perdido A Porta de Duchamp e procuro-a em Telhados de Vidro N.º 11: «Uma porta que não podia estar nem aberta nem fechada porque estava sempre aberta e fechada ao mesmo tempo.» (Rosa Maria Martelo).

2 comentários:

MCS disse...

Não conseguiu encontrá-lo na feira do livro ("A Porta de Duchamp")?
Se eu tiver a sorte de o ver em alguma livraria, aviso.

fallorca disse...

Ena, obrigado. Mas parece estar esgotado há algum tempo. Em todo o caso, obrigado pela atenção e boa Feira :)