«“É de bom tom dar a entender que não se pode passar sem uma rapariga. Quase toda a gente o faz. Mas é falso. Ninguém tem necessidade de mulher”, diz ele através do personagem Krebs em Um Soldado em Casa. Mas as trutas irisadas, nenhum iniciado as dispensa. Não é excessivo dizer que a cerimónia da pesca à truta irisada, tal como é minuciosamente reconstituída (e magnificamente, uma vez que é feita com palavras que são como flashes) em La Grande Rivière au Coeur Double, é uma cena fundamental, por vezes patente e outras latente, mesmo nas obras mais distanciadas no tempo e no espaço do Michigan original. “O que é que eu conheço realmente bem?”, interroga-se ele em Paris É Uma Festa, na Closerie des Lilás, onde ele tenta escrever: “Recusava-me a abandonar o rio onde podia ver uma truta a nadar no seu leito”. Que fazem Bill e Jake em Fiesta? Vão pescar trutas. E o herói de O Adeus às Armas, quando chega ao lago Maior? Pesca à truta. No lamentável Na Outra Margem, Entre as Árvores, que faz a luz do Grand Canal bricando sobre a cama do coronel, no Gritti? “Movimentos estranhos, mas regulares, mutáveis como a corrente de um rio de trutas”. Querem ainda mais provas? No final de Por Quem os Sinos Dobram, Robert Jordan está em plena acção, fixando as cargas de dinamite no tabuleiro da ponte, esperando de um momento para o outro a chegada dos fascistas, e… o que é que há sob a ponte? Uma torrente. E na torrente? Não! Sim! “Uma truta saltou em perseguição de um insecto qualquer e desenhou um círculo na superfície. Toda a obra de Hemingway é, entre outras, a descrição de uma longa e primordial pescaria à truta (no final, quando as modestas medidas deste peixe se transformam num espadarte, nessa altura já tudo foi dito e o Nobel não faz mais do que coroá-lo.»
[Olivier Rolin, Paisagens Originais; trad. Jorge Fallorca, colecção Pequenos Prazeres / ASA, Outubro 2000]
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