«O peruano Julio Ramón Ribeyro diz que, por vezes, o escritor tem a sensação de que deixou escapar as suas melhores obras: “Lendo Cervantes há pouco tempo, passou por mim um sopro que infelizmente não tive tempo de captar (porquê? Alguém me interrompeu, tocou o telefone? Não sei) porque me lembro de que me senti impelido a começar alguma coisa… Depois tudo se dissolveu. Todos nós guardamos um livro, talvez um grande livro, que no tumulto da nossa vida interior raras vezes emerge ou fá-lo tão rapidamente que não temos tempo de o arpoar.” Gosto desta frase porque sempre pensei que, de facto, a visão da obra tem muito a ver com a visão entrecortada, hipnotizadora e quase aniquiladora, de tão bela, daquela baleia do Pacífico. Com a escrita passa-se o mesmo: pressente-se com frequência que, no outro lado da ponta dos dedos está o segredo do universo, uma catarata de palavras perfeitas, a obra essencial que dá sentido a tudo. Encontramo-nos no próprio umbral da criação e na nossa cabeça fervilham enredos admiráveis, romances imensos, baleias grandiosas que só nos revelam o relâmpago do seu lombo molhado, ou melhor, apenas fragmentos desse lombo, retalhos dessa baleia, migalhas de beleza que nos permitem pressentir a beleza insuportável do animal inteiro; mas depois, antes de termos sido capazes de calcular o seu volume e a sua forma, antes de termos sido capazes de calcular o seu volume e a sua forma, antes de termos podido compreender o sentido do seu olhar penetrante, a besta prodigiosa submerge e o mundo fica quieto e surdo, e tão vazio.»
[Rosa Montero, A Louca da Casa; trad. Helena Pitta, ASA, 3.ª ed. Abril 2008]
[Rosa Montero, A Louca da Casa; trad. Helena Pitta, ASA, 3.ª ed. Abril 2008]
2 comentários:
Já lhe andei a cheirar o rasto :)
Não percas
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