«A solidão era a minha experiência-chave, a minha palavra-chave. À volta da solidão pode fazer-se um vazio completo, um nada. Isso é de certa forma a chave da chave. O solitário vê-se num espaço onde, milagre dos milagres, não há nada… Mas engano-me, apesar de não errar completamente… Porque não é o próprio solitário o que se vê nesse vazio, pelo contrário, ele chega a julgar-se num espaço hiperpovoado e barroco… esforça-se em prová-lo mais e mais; dir-se-ia (ele diria) que não faz outra coisa… Mas é outro, e o próprio também, o que vê dentro do nada. Isto pode explicar-se melhor com uma fábula. O solitário julga encher o nada com as suas actividades imaginárias, que são tão reais, por exemplo os livros, a televisão… E no entanto… Tomemos os livros: se um selvagem, analfabeto, é claro, um homem saído da selva, me visse com um livro nas mãos, ignorando como ignora a operação da leitura, julgar-me-ia a manipular um pedaço de qualquer coisa inanimada e falha de sentido; ver-me-ia passar horas com o olhar fixo em algo equivalente a uma pedra ou a um pedaço de madeira. Ou então a televisão (o exemplo é mais correcto, porque ler, não leio nunca; em vão se procura um livro na minha casa): o selvagem em questão ver-me-ia a olhar um quadrado de vidro no qual explode sempre um pó de pontos de cor. Neste caso a sua impressão seria a de estar a contemplar um alucinado, um drogado, quase um louco. Nem sequer poderia fazer-se a ideia daquilo que entretanto penso. Perceberia em toda a sua postura a dimensão do vazio cristalino… Mas serei um selvagem? Não entenderei os idiomas “livro” e “televisão”, que abrem grandes perspectivas à minha solidão? Justamente, o facto de serem “idiomas” é o que me faz duvidar da sua realidade. Talvez sejam apenas uma ilusão, talvez o selvagem tivesse razão… E posso deixar cair a dúvida, porque realmente são uma ilusão, e estou de facto numa câmara vazia, sem nada… E ele também! A armadilha em que o faço cair é obrigá-lo a olhar para mim durante o tempo em que estou embevecido frente ao ecrã… contagiou-o o meu embevecimento… É quase uma vingança contra a vida… Deve ser por isso que vejo televisão.»
[César Aira, Como Me Tornei Monja; trad. José Agostinho Baptista, Assírio & Alvim, Novembro 2005;
[César Aira, Como Me Tornei Monja; trad. José Agostinho Baptista, Assírio & Alvim, Novembro 2005;
3 comentários:
http://www.youtube.com/watch?v=JR8n7Asz9ZE
O Brian Eno participa nesse álbum:
"it benefits from synthesizer contributions from co-producer Brian Eno on "Sing" (which he co-wrote) and "Here She Comes."
http://en.wikipedia.org/wiki/Souvlaki_%28album%29
Tnha o cd mas gamaram-mo (já nos 90's).
e-manuel, tu mandas
Mas 1.º confere os links; alguns chegam cá de pés para a cova
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