«Ronald Burns era músico e literato. Ao longo de três meses tinha compartilhado as glórias da existência com Dion Moloch e a mulher. O seu regresso ao Dakota do Norte deixara esses dois indivíduos onde os encontrara: nos baixios de lodo do matrimónio. Por uns tempos tinham baloiçado ditosamente na profunda e veloz maré da companhia; depois a maré tinha baixado e haviam ficado no lodo, presos como chatas.
Estaria Blanche apaixonada por Burns? Moloch estava pronto a acreditar que sim. estaria Burns apaixonado por Blanche? Isso era o mais importante. O que acontecesse entre eles os dois não lhe importava, desde que a sua amizade não fosse destruída. Se Burns desejava a sua mulher… excelente! Que viesse buscá-la! Não podia imaginar solução mais feliz para as suas dificuldades. Mas, se Burns a queria, porque tinha então regressado ao Dakota do Norte? Teria medo de enfrentar a verdade? Teria medo de o magoar a ele? Não teriam olhos na cara, aqueles dois? Não viam que ele se tinha retirado do caminho para lhes dar espaço livre?
As anotações marginais e a longa lista de palavras empilhadas na contracapa de cada livro que Hari Das descobriu ao folhear a magra colecção de Moloch suscitaram uma série de apreciações críticas que dissiparam as retrospecções de Moloch.
De repente Hari Das soltou uma sonora exclamação de alegria e espanto. Com dedos reverentes, agarrou num gasto volume e enfiou-o debaixo do nariz de Moloch.
- Agora – bradou –, agora sei que o senhor não pode ser um patife completo!
“Então ele tinha-me já aceitado como um patife?”, pensou Moloch, um tanto ou quanto acalmado pela efusividade do outro.»
[Henry Miller, Moloch; trad. J. Teixeira de Aguillar, jornal “Público”, Colecção Mil Folhas, Março 2004]
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