Quando de pé, ao interrogar ou falar, compõe as mãos apáticas, de camurça, atrás das costas. Quando sentado, é mais fácil: pousa sobre a braguilha, uma luva, e depois a outra, em cima. E ali ficam, quietas, as duas mãos furtivas: inúteis irmãs gémeas a protegerem-se mutuamente.
Apenas sozinho, no escritório de casa, no gabinete do trabalho, de porta fechada, o Director calça as luvas de camurça. Usa para a operação, a reunião dos indicadores, médios e anelares e o auxílio dos dentes. Seis dedos para duas mãos. Três mais três dentes. Que o Director exercita para executarem o trabalho de dez. Mas ter seis dedos é diferente de ter dez. E os dentes não podem fazer o resto.
Mas, e os polegares da caça? Como compensar a falta dos polegares da caça? A construção da humanidade iniciou-se no polegar. O que distingue homens de animais é esse dedo anão, grosso, que se opõe aos outros. Que os encara pomo a pomo, e conta, como um professor conta os alunos a quem vai ensinar a lição:
Um, dois, três, quatro.
Um, dois, três, quatro.
Desde a perda, há gestos interditos ao Director: apertar uma mão; descascar uma pêra; abotoar um botão; rodar uma maçaneta; disparar um revólver; tocar a pele de mulher de forma erótica.
Qualquer gesto manual, ainda que mínimo, traz dificuldade. Obriga-o a um esforço suplementar. A uma atenção permanente. Isto, apesar do treino a que forçara os dedos órfãos.
Mas a desgraça também é um lugar de aprendizagem.
Uma vez, aproveitando um convite pessoal do Ministro Calvo para oferecer uma palestra teórica a verdugos recém-formados sobre Técnicas de Persuasão, o Director elaborou uma tese.
Nessa tese, havia um capítulo intitulado “As mãos sinceras”.
A certa altura, lia-se:»
[Sandro William Junqueira, Um piano para cavalos altos; Caminho, Dezembro 2011]
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