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- Gostava que lhe contasse a minha vida?
Que raio de pergunta. Ao ouvi-la, a nossa mulher, de aspecto mais elegante e distinto, uns anos mais velha, embora de estatura pequena e, como se costuma dizer nestes casos, de fisionomia agradável e olhos vivazes, fica petrificada. O homem ri-se de uma maneira que a ela lhe parece aberta e franca, e esclarece que é uma piada, uma maneira como qualquer outra de quebrar o gelo, porque a viagem até Madrid é muito longa.
- Chamo-me Ángel Sanagustín – diz –, sou psiquiatra e trabalho na clínica onde a senhora acaba de internar o seu marido; vi-a por lá esta manhã. Não sei se o doutor Crespo lhe falou de mim, trabalho na aplicação do discurso escrito ao diagnóstico das perturbações de personalidade; pedimos ao paciente que conte um episódio da sua vida por escrito, analisamos a sua narrativa e a seguir podemos fazer o diagnóstico. Também vamos fazê-lo com o seu marido e, além disso, com muito gosto, porque os textos dos coprófagos são muito divertidos e acabam sempre por me fazer rir. Esta pasta tão atraente é um livro que estou a preparar sobre a esquizofrenia e as perturbações paranóicas, que incluirá textos dos meus pacientes. Por isso, tenho de lhe pedir autorização para acrescentar algo do seu marido; as narrativas dos coprófagos são as mais curiosas; já agora, se quiser, leio-lhe uma.»
[Antonio Orejudo, Vantagens Em Viajar de Comboio; em revisão para a Minotauro;
2 comentários:
Primeiro não me cheirou bem....rsrs ao final do texto já fiquei curiosa em ler esse livro. Deve ser, no mínimo, instigante a criatividade desse autor!
É que nem lhe passa pela cabeça o que sejam «Vantagens em Viajr de Comboio» ;)
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