... se conduzir, conduza-se
28 de fevereiro de 2011
Às vezes, lá calha...
Brotaram, os rebentos da figueira; aí está ela a bater palmas à Primavera. Quando calço estas botas, bem ensebadas, com sola de pneu, levo a terra nos pés.
26 de fevereiro de 2011
Às vezes, lá calha...
«Para Albert a velhice seria o ponto da vida em que poderia ler ainda mais; para Lenz, pelo contrário, a velhice significaria o abandono da leitura pois esta exigia uma vitalidade que só quem age com força sobre o mundo consegue acompanhar.»
Nem sempre a lápis (138)
O auditório do Colégio de Nossa Senhora da Boavista tem a lotação de quatrocentos lugares. No intervalo, quando fomos fumar um cigarro, o director estimou entre trezentas e vinte a trezentas e cinquenta pessoas. Digamos trezentas, para não ser indelicado; uma multidão, um motim caloroso. Venderam-se quinze livros; maioritariamente a quem o leu em palco, reparei. Fiz mais de mil quilómetros para me oferecerem um caderno cheio de significado; dentro de dias, partilho-o no YouTube.
«É bom trabalhar nas Obras» (73)
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi6KkaPiPXuAD9TeFab1wU1nIG8vCVPi2yTDegvDxZwYkNiebXjEF7XdwKRgebRUdjyYZLzGSy8T1thBwNtjcfyj9XeSeo90Cmdnb2ZSnVtEbeA5oVQY3f3wrD5MJbshOGqa7KjwOiJdNZp/s320/Jose-Emilio-Pacheco-Sergio-Pitol-y-Carlos-Monsivais.jpg)
Mil anos depois chegaram as coisas que tínhamos deixado em México, entre elas o baú onde a minha mãe guarda as fotos. Em vez de estudar ou ler, passei horas a contemplá-las. Tenho algum trabalho em reconhecer-me na criança que aparece nos retratos de há já muito tempo. Um dia, vou ser tão velho como os meus pais e então, tudo isto que vivi, toda a história de Ana Luisa, irá parecer incrível e mais triste do que agora. Não entendo porque é que a vida é como é. Também não consigo imaginar como seria possível de outra maneira.»
[José Emilio Pacheco, O princípio do prazer; em tradução para a Colecção Ovelha Negra / Oficina do Livro;
24 de fevereiro de 2011
Às vezes, lá calha...
Nem sempre a lápis (137)
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg_IthsAC75wap3BICqFJoE5IXUn68scJuC7DXcwg6WqzRnI7Oz5QlawlpBzNdB-oxHCEqWcYmBtEfn56bOxHjo8DqW5uExbVRQc7r1dMQtY3_6pNzmuJOBqHekvfJ4D2OCdhVloEesiHWk/s400/caminhao-corega.jpg)
Papiro do dia (35)
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiX7tVSR1Q4DiuNIJOg0LnuVOUfICbJxURizCofPl3bBI-7IAC-6l7SpN5242XiDdUDZ8rXKl8FVKAkxHtmfyLhF6XsGu12OLBbu1d0qxFQX7CyqnuGqQsYwQdU5DEA3wTUhuiIGlSbAZlp/s400/untitled.bmp)
E nós somos como os frutos. Pendemos do alto de ramos estranhamente tortuosos e suportamos bem os ventos. O que temos é a nossa maturidade, a nossa doçura e a nossa beleza. Mas a força para tal emana de uma raiz que se propagou até cobrir mundos e mundos em todos nós. E, se quisermos testemunhar a favor do seu poder, então devemos utilizar, cada um, o nosso mais solitário sentido.
Quanto mais solitários houver, mais solene, comovente e poderosa será a sua comunidade.»
22 de fevereiro de 2011
Porque a Net fornece um novo dia
Odysseus had cruising the Mediterranean,
were dreamed up by Homer
while waiting for his wife to serve lunch.»
[chega-se aqui, por aqui]
Às vezes, lá calha...
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjvZtP3_Ts6lAV6O5sH3AFYG3S9u6u_ZVTxKybXa91jJLwKOSXHpOnuVtKudZk4zK5H7OaRTVIuOTH0F7TvJOPD1K5-UXLXizK0tAAgh-7nV5zmlLw7QMnDnX3k8j_oPHk4hp72G0J81ZJd/s320/untitled.bmp)
«Interessava-se por tudo. Na verdade, se apenas tivesse uma palavra para a evocar, essa palavra seria avidez. Queria experimentar tudo, provar tudo, ir a toda a parte, fazer tudo (...) Penso que, para ela, a alegria de viver e a alegria de saber eram uma e a mesma coisa.»
Nem sempre a lápis (136)
Vivo comigo e com os meus livros num espaço calmo; o silêncio do quotidiano tornou-se a música de fundo mais presente, mas não repetitiva. Quando estico e cruzo as pernas em cima da mesa da sala da Nico, o espelho em frente pergunta se estou em Carnaxide, no Monte Alto; se no Monte Alto, em Carnaxide. É uma virtude não encontrar nada que se assemelhe à necessidade de uma resposta. Levanto os olhos do bloco e sorriem do lado de fora da pastelaria, em Vila Real; embora mais agasalhado, acabo de ser atraiçoado por uma foto, pela atitude.
Papiro do dia (34)
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhVM2HbWq7D2Nh_S8HStD_vWmkjjmTFjsYR3Q-BX4tE9Ii0c5fBT_DeLXoS7MSQfjPFeOjVTWil6qT05lJV8q1sfnMRMCyvZXhxVjvKd2RTBgvOfZODd2PFFeCnr_MNyL-9TOmUgMiY6m13/s320/untitled.bmp)
Percebe-se. Para reconhecer o Homem, há que isolá-lo. Mas, depois de uma longa experiência, é mais justo reintegrar as considerações isoladas e acompanhar com um olhar amadurecido os seus gestos mais amplos.»
[Rainer Maria Rilke, Notas sobre a melodia das coisas; trad. Sandra Filipe, Averno, Janeiro 2011;
21 de fevereiro de 2011
20 de fevereiro de 2011
Porque a Net fornece um novo dia
... e os Correios, por vezes
o aconchego do relâmpago.
Senti-la aqui tão perto
é um regalo a poucos concedido.
Se a casa tremer,
lembra-te que não é de medo
nem do frio das paredes.
As casas só tremem
porque estão de pé,
fundadas na terra que recebe
as ossadas dos relâmpagos;
as trovoadas.
Não temas os mortos
nem o aconchego dos vivos,
nem deixes morrer nos vivos
as trovoadas que fazem tremer
as casas.»
Às vezes, lá calha...
Nem sempre a lápis (135)
Papiro do dia (33)
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgh9xPa37juVVO1GtHUZkXltmRisobvvGZDO-Ix5qrzw1s_TvgsKM89i5DvMCmF-f_t2RvkIr533Z3yCA2d7XmIlVXYmq7FJUDg8WWfF6PlGFIs2HAFNRrAcFF-VDGmsuHQ3DeksfRBSMYw/s400/untitled.bmp)
Lenz aprendia então com velocidade novos conteúdos. Não a nova matemática ou a nova física, mas a velha ciência de ligação e separação dos homens. Alianças e declarações de guerra eram amputadas, é certo, da sua virilidade final mas permaneciam, na sua essência, em todas as relações humanas dentro do Partido. Habituado a lidar sozinho com as circunstâncias da vingança de células particulares em relação a um corpo, Lenz estava agora “com mais gente ao lado”. A sua equipa médica nas operações mais complicadas nunca ultrapassara as sete pessoas, e agora ele via-se envolvido em reuniões em que as suas declarações eram escutadas por dezenas de colegas de Partido.
Este sentimento de comunidade era uma das invenções deste novo tempo em que Lenz entrara. Não tinham sido discutidos pressupostos, ou seja, homens vindos de sangues completamente distintos, de famílias que nunca se haviam cruzado na cama ou nos grandes pactos de rendição ou de declaração de vitória, estavam agora, lado a lado, parecendo, afinal, ter combatido durante séculos o mesmo exército.
Essa ilusão – que o era – não cegava Lenz.»
[Gonçalo M. Tavares, Aprender a rezar na Era da Técnica; Caminho, Outubro 2007;
18 de fevereiro de 2011
Nem sempre a lápis (134)
Papiro do dia (32)
Esta frase, diga-se ainda, foi determinante para Lenz – o seu pai sabia bem a importância de ser consequente.
Frederich castigava as manifestações de medo de qualquer dos seus filhos fechando-os à chave num compartimento da casa, «a prisão», em que tapara as janelas, em que não havia uma única peça de mobília ou objecto.
Poucas vezes (embora marcantes) Lenz foi colocado na «prisão» por cometer a ilegalidade de mostrar medo. Pelo contrário, o seu irmão Albert era constantemente trancado naquele espaço que suspendia o lado lúdico, o ataque ou a defesa. Era, em absoluto, um espaço neutro, onde as funções dos gestos se tornavam nulas: o movimento era desnecessário e quase ridículo. As paredes não eram superfícies estimulantes para um humano, muito menos sendo ainda, esse humano, uma criança. Era um espaço, por isso, que esmagava a infância – uma massa pesada esmagando outra bem menos robusta –, era impossível naquele espaço agir ou mesmo pensar de acordo com a idade.»
15 de fevereiro de 2011
14 de fevereiro de 2011
Às vezes, lá calha...
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhN1N_SgiGFqreoZ2OSBsx3lBCMHEMSakEGyZhBigKyfUR73tTzSXeEe1jmC17pFZrY9loKAvUmlqINZJ0m-gUzhWfLJHIVhlSYutoCcbkCaXsEKK1H5Ksx_EpwYDFOpqd93UKfs5Ma0ZOG/s400/untitled.bmp)
«La escritura, tal como la concibo, no tiene un territorio propio. El acto de escribir no es más que el acto de aproximarse a la experiencia sobre la que se escribe; del mismo modo, se espera que el acto de leer el texto escrito sea otro acto de aproximación.»
Nem sempre a lápis (133)
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiApjAXX_Hm9HNgyJGlQfjW32Pu53Vyvag2m11SvNs6RmpyOUsY6jrQ5ynDWmqXpIL9ZU-THXI-hDZbpgO00ejK3Amw4aUZrDB7IuWj5w6TzUXC4JEwk61zeY8cDTxKANt8L-1-H_oPGW8M/s400/Cartaz+Vila+Real.jpg)
«É bom trabalhar nas Obras» (72)
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjuxfxw-n21BpgQozfYBAoJNuQhzQ_AfX4yBPCa0fYKalXw2GDEs4USV193Sgzi9WGqlR9GEezYSsqiiLvc0ysHyB07-qOabb6Lm1FJROaRLRYTOJHLhAqHkdZcGaaKHxUPXzqMupcoJyey/s400/crumb_splash.jpg)
Açim que a minha tia se foi embora o meu papá chamoume e diceme o quela tinha dito e eu dicelhe que não era verdade, que saíamos mas com as tuas irmãs. Bom, não julgues que sacreditou.
Jórge os dias parecême séculos sem verte, ando sempre a pensar em ti, à noite deitome a pensar em ti, cria terte sempre junto de mim, mas não vejo maneira como.
Jórge tem atensão nas aulas para ver sé possível vires a Jalapa, queu ir a Veracruz sei lá cuando será.
Bom querido Jórge, cumprimentos à Nena e à Marycarmen, à tua mamã e ao teu papá tão bem e muito especialmente ao Durán e à namorada dele.
Não me mandes cartas para esta direcção, se quiseres escrever falo para a posta-restante de correios Jalapa Veracruz em nome de LUISA BERROCAL, entregãma carta porque tenho uma credencial com ece nome.
Bom, a Deus Jórge, recebe muitos beijos da que te quere e não consegue esquecer
Ana Luisa.
Uma vez copiada a carta à letra (Ana Luisa falava bem, porque será que escreve desta forma? Deve ser porque não lê), vou fazer aqui mesmo o rascunho da minha resposta:
Meu amor (Não.) Querida Ana Luisa (Também não: soa indiferente.) Queridíssima e inesquecível Ana Luisa (Nunca: saiu piroso.) Minha querida (Melhor:) Minha muito querida Ana Luisa (Assim está bem, creio eu):
Não podes imaginar a enorme alegria que a tua carta me deu, a carta mais esperada do mundo. (Soa mal, mas enfim.) Também não imaginas a falta que me fazes e a necessidade que tenho de te ver. Agora sei, mesmo a sério, que te amo e que estou apaixonado por ti. No entanto, devo dizer-te com toda a sinceridade que há três coisas estranhas na tua carta:
Primeira. Julgava que a senhora com quem vives era a tua mamã, e afinal é tua tia. (Aliás, nunca me disseste que o teu papá estava em Jalapa. Tive sempre receio que nos apanhasse quando eu te deixava na esquina da tua casa.)
Segunda. Porque é que não podes regressar? Porque tens de estar sempre a ir a Jalapa? Tudo isto preocupa-me muito. Peço-te que me esclareças as dúvidas.
Terceira. Envio esta carta para a posta-restante dos correios e dirigida da forma que me indicas; mas não entendo porque é que tens uma credencial com um nome que não é o teu. Vais explicar-me isto a sério?
Não te conto nada como as coisas correm por cá porque é tudo horrível sem ti. Volta depressa. Preciso de ti. Adoro-te. Mando-te muitos beijos com o meu mais sincero amor:
Jorge
Bom, o princípio e o fim são bastante parecidos com as cartas que o Gabriel manda à Maricarmen. (As que li sem ela saber.) Mas creio que no conjunto, é mais ou menos aceitável. Vou passá-la a limpo e dá-la ao Durán para amanhã a pôr no correio.»
[José Emilio Pacheco, O princípio do prazer; em tradução para a Colecção Ovelha Negra / Oficina do Livro;
13 de fevereiro de 2011
À atenção de tradutores
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgVVYFs6Vrz7dXoW6-zhK2X8StuPlSMUFnltvbf6G0YvyZuzqKA_xMFWGjwn6tgRxtCyD5FpYw4l4-hxNQ_jmJBHEjk39Ov4dVYl99D0PV2SeIgiWcHqQDUdChPH5I_c6lMcOZq3_udYyel/s400/untitled.bmp)
Não tenho por hábito guardar e-mails nem vocação para alimentar, no papel ou na bloga, Piratarias seguido de Corrida de Pernas de Pau. A duração da resposta às dúvidas colocadas aos autores termina após a revisão – é a minha providência cautelar, ainda não utilizada, a verificar-se incompreensão do revisor –, sucedendo o mesmo com as contas até à liquidação do trabalho por mim prestado.
Sei que em meados de Dezembro enviei um CV às Edições Ahab, como o faço em relação a outras, a manifestar disponibilidade de colaboração, se o interesse e a ocasião se proporcionassem. Além de ter sido bem recebido, as Edições Ahab comunicaram-me que aguardavam a concretização da compra dos direitos de um autor sul-americano, caro a Enrique Vila-Matas, até ao dia 10 de Janeiro do ano em curso, e se estaria disponível para o traduzir. Recorri ao número de telemóvel e ao nome do senhor Tiago, visíveis no e-mail, para dizer que estava, sem esconder a curiosidade por saber qual era o autor e se o meu pressentimento batia certo; Julio Ramón Ribeyro, Prosas Apátridas. Confirmámos que se tratava da versão completa, continuados os textos das edições de 1975 (até à pág. 76) pelos da página 79 até à 140, com que termina a edição da Seix Barral Biblioteca Breve, Janeiro de 2007. Confirmámos termos também o livro Cuentos, não recordo se na minha 2.ª edição de 2008, organizada por María Teresa Pérez para Catedra Letras Hispânicas, com introdução dividida em nove subtítulos ilustrados, nota de edição e bibliografia.
Como tantos outros autores, Ribeyro foi-me apresentado por Vila-Matas, enquanto traduzia Paris Nunca Se Acaba. Adquiri o livro e não resisti à tentação de ir traduzindo textos ao sabor do prazer da leitura, nove ao todo e nem todos completos, além da epígrafe de Tagore e a Nota do Autor. Textos que foram publicados aqui e aqui e aqui e aqui e aqui e aqui e enviados ao senhor Tiago; que os aceitou e nunca mais os referiu, sem tugir nem mugir, como sói dizer-se.
Mais uma ou duas trocas de e-mails e, como tínhamos acordado, recebi o prefácio de Vila-Matas para a edição castelhana de Contos Carnívoros (Bernard Quiriny), entregue poucos minutos depois das 15:49 de 20 de Janeiro, data e hora do documento em arquivo. Quanto ao livro de Ribeyro, ainda não haveria resposta dos herdeiros, surpreendendo-me que O Café dos Loucos o anunciasse como dado adquirido, quatro dias depois do envio de Um catálogo de ausentes; o prefácio de Vila-Matas.
As Edições Ahab agradeceram a prontidão e aceitaram a minha proposta – reciprocamente vantajosa, na minha sincera opinião – de liquidar 65,54 € brutos, em livros. Quanto a Prosas Apátridas, ainda não havia resposta nem foram aludidos os textos por mim enviados.
Na sexta-feira estranhei o silêncio, e como não gosto de alimentar equívocos e saber com o que conto, telefonei ao senhor Tiago. Não atendeu, não insisti; recebi por volta das 21 horas uma sms em que reconhecia estar em falta comigo e a explicar que não atendera por estar no tribunal, e que hoje (sábado) me ligaria; como o fez por volta do meio-dia, para acabar por dizer que a tradução de Prosas Apátridas – que ele, senhor Tiago, teria feito durante o Verão – fora atribuída a um tradutor ou tradutora; há quanto tempo, não disse nem perguntei, optando por lhe pedir licença para desligar o telemóvel.
Não percam Prosas Apátridas, é um livro magnífico; quanto a mim, não quero perder a oportunidade de ler a Nota do Autor, os textos 1, 2, 5, 16, 57, 59, 60, 68, 143 e o primeiro período do número 3.
Como disse, é raro guardar e-mails; mas não consigo evitar a frase de Vila-Matas (História Abreviada da Literatura Portátil) para se referir aos que «tornaram possível que hoje se possa desmascarar com mais facilidade aqueles que, como disse Hermann Broch, “não é que sejam maus escritores [editores], mas sim delinquentes”».
Postas as coisas nestes termos, as Edições Ahab devem-me apenas UM exemplar de Contos Carnívoros; mas, se assim o entenderem, podem esquartejar o livro e mandar só o prefácio, por mim traduzido.
Quanto ao e-mail que recebi das Edições Ahab, após ter pedido licença para desligar o telemóvel, e a minha resposta, vou guardá-los para memória (privada) futura; aprendi.
[Nota: Não serão publicados comentários]
12 de fevereiro de 2011
Porque a Net fornece um novo dia
para dar ouvidos à noite:
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj4VekpS1eR_mW5CFSamHsplIoz6q8Gu1SQljpfNybfC9wlAR8pkpKGSAEf4QyxtjJBBjnYW2Yrv8Jgz2w7VPOXeKKcbR1HavlfpkrGCvr9PzhcPIwzvNePSDdfDRJVMxjSOHrrW-MOonuV/s320/Porque+a+Net+Rui+Caeiro.bmp)
(eu seja ceguinho, de preferência, se não for lá confirmar a consistência do volume, do livro; fiufiu...)
Às vezes, lá calha...
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgLG7OZ9yIOeYxAYlqLhThwUX_DkepDpeTpivIhoYpUmTmMGpstpzQ9tIM5G8grsMSp-Qa9Xt0SqbElQLdeiStPLe1siAlC9ENkMHTGoRCJDZusKV6MEsvjZ6M27KGMPut20WMok_t3wLgc/s400/untitled.bmp)
«Acho que em Portugal há um julgamento estranho da modéstia. Batem-se palmas a quem basicamente diz que não é muito bom a fazer o que faz. E quando alguém diz que tem confiança no que faz, utiliza-se uma palavra pejorativa: arrogante. Eu claramente tenho confiança no que faço, e nesse aspecto não sou modesto. Agora, precisamente porque tenho essa confiança não me passa pela cabeça falar mal de alguém. Não por eu ser um coração maravilhoso, mas porque seria perder tempo precioso para aquilo que tenho de fazer.»
(Gonçalo M. Tavares, in "Mil Folhas", Público, 2005)
Nem sempre a lápis (132)
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj1ZJS2DKUcB5ocDUUYBwsNZBhw4_MdfwjZM_UNiRED5orY-ZC7j9_dzWZvHoI-R908bT89x9JgaPgH4OUhx4NxoyhYhxobPlZv7KTrQpSI0TS6KKqV7Zquipzo0bws3Ua_zDUHWtApBFNG/s400/untitled.bmp)
«É bom trabalhar nas Obras» (71)
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiDDBWwGHUAdThd2cGVu7MnIXrkbXxLw_xzLj_281X5YdJVtOrhyphenhyphenf_D_jM_ktdczJ0PDAbx9TVat-RZXzxbyTo1TfkgBmKBoSNLZ7IITo-749JElV6PFbJwXOjofc4J7LulWDa7mcvXH2wT/s400/untitled.bmp)
- Desculpa a demora: não conseguia escapar-me.
- De quem?
- Da minha mamã. Não me deixa sair.
- Recebeste a minha carta?
- Qual carta?
- O meu recado, quero dizer.
- Claro, respondi-te: por isso estamos aqui, não?
- Tens razão. Sou mesmo bruto… E o que achas?
- De quê?
- Do que te dizia.
- Ah, pois não sei. Dá-me tempo.
- Já tiveste muito tempo: decide-te.
- Como queres que me decida se não te conheço?
- Ana Luisa, eu também não te conheço e é como vês…
- Como vejo o quê?
- … Estou apaixonado por ti.
Corei. Estava seguro de que Ana Luisa se ia rir. Mas em vez de me responder pegou-me na mão como se não estivéssemos rodeados de gente, em plena esplanada entre o salão de baile e a praia.
Não quis que a convidasse para tomar nada. Fomos caminhando pelo paredão à beira-mar até à bifurcação de Reforma. Sentia-me feliz, embora com medo que alguém lá de casa nos apanhasse. Porque é suposto que eu ainda não tenho idade para andar com mulheres; tentá-lo, é um delito que dá cabo dos estudos e do desenvolvimento normal e deve ser castigado com a pena máxima. Não sei, o prazer de caminhar com a mão dela na minha mão, perto de Ana Luisa, que é tão formosa com a sua cara tão bela e o seu corpo perfeito, valia todos os riscos. Por fim, Ana Luisa falou:
- Bom, devo confessar-te que também gosto de ti.
Fiquei em silêncio. Detive-me a olhá-la.
- Mas há um problema.
- Qual?
- És uns dois ou três anos mais novo do que eu. Vou fazer dezasseis.
- E que importância tem?
- A sério?
- Claro que não tem importância.
Aproximou-se de mim. Abracei-a. Beijámo-nos. Gostava de escrever tudo o que se passou depois. Mas as minhas irmãs acabam de chegar. Era uma desgraça se lessem este bloco. Vou guardá-lo no mais fundo do roupeiro. Só anoto que me senti feliz e que correu tudo mil vezes melhor do que eu esperava.»
[José Emilio Pacheco, O princípio do prazer; em tradução para a Colecção Ovelha Negra / Oficina do Livro;
10 de fevereiro de 2011
Às vezes, lá calha...
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhDcYn8QSfxLOnx00cjxN3tf_t4qweQL12t9OVlgwEtY9ibA2obF854YIgTRKS3L1iSA2mmcBm5OrNdc2tOWYi9wHqo-m60xq5P2MyAwL30Bj7QAuFIo8wKLtvFVNSlGfBQosIkRbyVoixo/s400/untitled.bmp)
«O leitor inteligente procura alternativas que o salvem da morte sem livros. Por enquanto alimento-me das estantes que fui forrando quando podia. Não estou interessada em nenhuma espécie de e-book reader (apesar de ser muito fan de todo o tipo de gadgets e não ser idiota), mas estou ainda menos interessada em ficar sem livros para ler.»
(e disse)
Nem sempre a lápis (131)
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgD7-wY4fpIkiVTXajL-pN_V85V5uPmreTrW9XjvmhkFY9kIlByko0PkNkNjqkSBRuLkOA8E5-W-oWtMk3d8xSWjC9Ycr5rmTkfPTWSgCETpcKBPn-YxwfmhVEN5qiepu4Ep5RVZ5GR7xk-/s400/Nem+sempre+130.bmp)
Quando somos jovens, temos uma especial apetência para confundir maturidade com cinismo; saudável incontinência da guelra. Na verdade, passei a falar menos e a sorrir mais, a ouvir e a ler outro tanto; de barbatana cruzada. Sabe-me bem dar uns mergulhos na torrente de escrita a que nunca teria acesso a um ínfimo salpico, sem a Net. Por outro lado, começo a desconfiar se somos um país de poetas ou de meros fingidores, entre tantos e tantas línguas; apátridas na Rede. Revejo-me nesse caudal e lembro a ansiedade da escrita; à toa, tanto melhor. Se fosse, mas felizmente não é possível nem desejável revê-los com a minha idade, gostava de ver a maturidade com que encaravam o cinismo; a opção.
«É bom trabalhar nas Obras» (70)
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjh3LGpXCcelB8ZkKDoLL1b6gBy5xoQLcqhsdtsh_v8IiC0l1eMkrBsjsYPwSzbv_IEm73zImWvEMSHDuy3vVN-N0KbGipnH8Qc5idE4oqR8t6f56IvrA-Ogrh-qQiOa0imDXJNhIlLTB4o/s400/Eladeixou-oporalgumarazao.....jpg)
«# No domingo, a Ana Luisa, a Nena e a Maricarmen vão ao cinema e depois ao toque de recolher na praça. A Maricarmen perguntou-me se eu gostava da Ana Luisa. Como bom cobarde, respondi –: Não, como é possível pensares isso: há raparigas mil vezes mais bonitas.
# Cheguei à praça às seis e meia. Encontrei o Pablo e outros da escola e pus-me a andar às voltas com eles. Pouco depois, apareceu a Ana Luisa com a Maricarmen e a Nena. Convidei-as para comer gelados no Yucatán. Falámos de filmes e de Veracruz. A Ana Luisa quer ir para México. O Durán veio buscar-nos com o carro grande e fomos deixar a Ana Luisa. Quando ela desceu, as minhas irmãs começaram a fazer troça de mim. Às vezes, odeio-as mesmo a sério. O pior foi quando a Maricarmen disse –: Não tenhas ilusões, pequerrucho: a Ana Luisa tem namorado, só que não está cá.
# Depois de muito hesitar, à tarde esperei pela Ana Luisa na paragem do eléctrico. Quando desceu com as amigas, cumprimentei-a e deixei-lhe um papelinho na mão:
Ana Luisa: Estou apaixonado por ti. É urgente falar contigo a sós. Amanhã vou-te cumprimentar como agora. Dá-me a tua resposta da mesma forma. Diz-me quando e onde podemos ver-nos, ou se preferes que não te volte a incomodar.
Depois, pareceu-me que meti a pata na poça na última frase, mas já não há remédio. Não creio que me vá responder. É mais que certo que me vai mandar para o diabo.
# Passei o dia todo muito inquieto. Ao contrário do que esperava, a Ana Luisa respondeu:
Jórge, cumo tás apaixonado por mim, asseito que falemos, vemonos no domingo ó meidia nos acentos de Villa del Mar.
# Durán –: Estás a ver? Não te disse que eram favas contadas. Agora, segue os meus conselhos para não a chateares no domingo.
Maricarmen –: Olha lá, o que é que tu tens? Porque é que andas tão contente?
O pior, é que não tenho estudado nada.»
[José Emilio Pacheco, O princípio do prazer; em tradução para a Colecção Ovelha Negra / Oficina do Livro]
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