29 de novembro de 2012
28 de novembro de 2012
«Há editores que avaliam obras pela leitura da primeira linha e há outros que só o fazem analisando a a obra inteira de um autor minuciosamente. Os métodos diferem e nenhum deles garante o sucesso, da mesma forma como, em princípio, nenhum dita o seu fracasso.
Como em todas as tarefas que compõem o trabalho das ditas indústrias criativas, há sempre uma grande margem deixada ao instinto, instinto esse que pode ser mais ou menos sustentado pelas mais diversas experiências.»
Como em todas as tarefas que compõem o trabalho das ditas indústrias criativas, há sempre uma grande margem deixada ao instinto, instinto esse que pode ser mais ou menos sustentado pelas mais diversas experiências.»
[jura a ]
26 de novembro de 2012
Nem sempre a lápis (337)
água tatuada
(1999)
Percorro-te com a língua os labirintos do feno, até onde a cabeça escuta as respirações verticais do sangue.
Depois o leão abate a asa do lençol, e a panóplia do desejo não é para aqui chamada.
[fizeram-se aqui]
Papiro do dia (279)
«Podia reservar para mim os motivos que me levaram a escrever estas páginas de confissão. Mas como não tenho qualquer interesse em passar por excêntrico, vou dizer a verdade, que é bastante simples: Pensei que poderiam ser lidas por muita gente, já que me tornei célebre. E, apesar de não ter muitas ilusões sobre a Humanidade em geral e os leitores em particular, anima-se a ténue esperança de que alguém chegue a entender-me. Mesmo que seja uma só pessoa.»
[Ernesto Sabato, O Túnel; trad. Francisco Vale, Relógio d’Água, s. d.]
23 de novembro de 2012
Às vezes, lá calha...
«Uma pessoa prepara-se para alguma coisa durante a vida inteira. Primeiro, sente-se ofendido. Depois, quer vingança. A seguir, fica à espera.»
(Sándor Márai)
Nem sempre a lápis (336)
Pouco faltava para as sombras se esticarem até ao limite quando sentiu a existência efémera numa camisa. As horas bateram mais depressa para a última badalada das sete não soar às escuras.
Em frente o mar e nas costas o campo; os bolsos da camisa.
Papiro do dia (278)
«Já não sabia em que ponto o ressentimento e o desejo de vingança se haviam transformado em espera. Tudo perdura no tempo, mas torna-se tão pálido como aquelas fotografias muito antigas que ainda foram fixadas em chapas metálicas. A luz e o tempo retiram das chapas as tonalidades nítidas e características dos traços. É preciso rodas a fotografia e encontrar uma certa refracção da luz para podermos reconhecer na obscura chapa metálica a pessoa cujas feições foram absorvidas pela placa. Deste modo se desvanecem no tempo todas as lembranças humanas. Mas um dia, a luz cai dum lado qualquer e tornamos a ver um rosto. O general guardava numa gaveta uma fotografia antiga semelhante. O retrato do seu pai. Nessa foto o pai vestia um uniforme de capitão da guarda. O cabelo era frisado, encaracolado, como o de uma rapariga. Dos ombros caía-lhe uma capa branca da guarda; segurava a capa no peito com a mão que ostentava um anel. Inclinava a cabeça para o lado, orgulhoso e com um ar ofendido. Nunca mencionou em que ocasião o ofenderam e porquê.»
[Sándor Márai, As velas ardem até ao fim; trad. Mária Magdolna Demeter, D. Quixote, Fevereiro 2012;
chapa]
chapa]
14 de novembro de 2012
fracções
Teatro da Politécnica, 15 de Novembro a 15 de Dezembro
3ªf e 4ªf 15h00 às 21h00 | 5ªf a Sáb. 15h00 às 23h00
13 de novembro de 2012
Às vezes, lá calha...
«Depois dos noventa as pessoas já não envelhecem como depois dos cinquenta ou sessenta. Envelhecem sem ressentimento.»
(Sándor Márai)
Nem sempre a lápis (335)
água tatuada
(1999)
Um filete de sangue apodrece-te a pele, aduba a tatuagem. E um piano aquece-me a voz, como o feno transmuta a água.
Embalado num delírio crepuscular, adormeço as mãos na restolhada do tacto, para te expor às tempestades da pele.
Papiro do dia (277)
«O general, com o corpo inclinado para a frente, observava-a com curiosidade. As duas vidas rolavam juntas com o movimento de ritmo lento da vida de corpos muito velhos. Sabiam tudo um do outro, conheciam-se melhor que mãe e filho, melhor que os casais. A comunhão que unia os seus corpos era mais íntima que qualquer outro laço corporal. Talvez a razão fosse o leite materno. Talvez porque Nini fora o primeiro ser vivo a ver o general quando ele nasceu, porque o vira no momento do nascimento, coberto de sangue e de imundices, como as pessoas vêm ao mundo. Talvez fossem os setenta e cinco anos que tinham vivido juntos, debaixo do mesmo tecto, comendo a mesma comida, respirando o mesmo ar; o bolor da casa, as árvores em frente das janelas, tudo era comum. E nada disto tinha nome. Não eram irmãos, nem amantes. Existe outra coisa, e eles sabiam isso vagamente. Existe um certo tipo de amizade que é mais profunda e mais densa do que a dos gémeos no útero materno. A vida misturava os seus dias e as suas noites, sabiam do corpo e dos sonhos do outro.
A ama disse:
- Queres que tudo seja como antigamente?
- Quero – disse o general. – Exactamente. Como tinha sido ultimamente.»
[Sándor Márai, As velas ardem até ao fim; trad. Mária Magdolna Demeter, D. Quixote, Fevereiro 2012;
quero]
quero]
12 de novembro de 2012
11 de novembro de 2012
10 de novembro de 2012
Às vezes, lá calha...
«Se uma educação literária serve para alguma coisa, é para nos fornecer um sentido da fatalidade. Nada como uma imaginação fértil para sugar a coragem de uma pessoa.»
(Sam Savage)
Nem sempre a lápis (334)
água tatuada
(1999)
Ultimamente apoio-me muito na parede. Às vezes, põem-me uma capa de sombras pelos ombros, donde assisto ao meu futuro. E é a sorrir na água do teu olhar que te estendo um discurso de tábuas.
Já outros me disseram que não devemos descer à rua com rostos alugados.
Papiro do dia (276)
O facto de ter confundido o seu filho José Luís com um negrito, não lhe casou graça. Instintivamente olhou para Don Alberto, ao mesmo tempo que lhe veio à ideia o pensamento daquele avô de forma tão inoportuna cravado com a sua tenda na árvore genealógica dos Sotomayor.
Entretanto, José Luís Mengánez, repimpado na carruagem, recorria ao passeio com o intuito de procurar na poética transformação da claridade sedosa dos campos, ao entardecer, a voz da sua musa – porque José Luís sentia-se poeta. Melhor dizendo: era poeta. Lançava olhares errantes pelas suaves leivas das colinas adormecidas numa paz doce, de écloga, à luz espessa e dourada do crepúsculo de Janeiro, deixando a alma deleitar-se com estéticas emoções – ao que chamava, muito orgulhoso da novidade da metáfora, a taça extravagante dos céus.»
[Romulos Gallegos, Antologia do Conto Moderno; trad. José Ferreira Monte, Atlântida, Livraria Editora, Coimbra, 1960]
9 de novembro de 2012
7 de novembro de 2012
Nem sempre a lápis (333)
água tatuada
(1999)
O olhar movimenta paisagens adolescentes. O vento é oblíquo. A tarde amadurece numa ladainha de nódoas. Mesmo o lodo não sabe que fazer da água.
É por isso – deve ser por isso – que tudo levita à passagem da tatuagem perplexa.
Papiro do dia (275)
«E tudo isso se repetiu durante anos, durante anos ela imitou os gestos aprendidos, as palavras aprendidas, fingiu que falava a mesma língua, mas a tensão crescia, dentro dela, e um dia estalou de repente e as palavras soltaram-se, todas estrangeiras, de súbito ela cortou todas as falsas pontes e ficou como sempre estivera, isolada, dentro de outro contexto, de outro mundo, e havia uma palavra que ela repetia muitas vezes, algo como inas – inastranka, não sei, não me recordo ao certo, uma palavra absurda e louca e perigosa, porque não significava para nós coisa alguma mas tinha certamente sentido noutro código de que não possuíamos a chave, uma palavra inimiga, que estava para além do nosso alcance e nos agredia, nos insultava talvez sem nós sabermos, e outras vezes soava apenas como uma palavra resignada e morta, que não atingia ninguém e não significava coisa alguma, vibrava apenas no silêncio sem mudar nada, sem tocar em nada, uma palavra de vidro, de pedra, solta, isolada, neurótica, arrancada de todas as raízes, uma anémona do mar movendo no vazio os seus muitos braços, os seus cabelos roxos, uma anémona num aquário, por detrás de paredes de vidro.»
5 de novembro de 2012
4 de novembro de 2012
Às vezes, lá calha...
«O deserto era uma enorme extensão sem tempo, apenas de onde em onde um cacto levantado, uma massa escura, sem ramos nem folhas, sobre a vaga ondulação da areia uniforme.»
(Teolinda Gersão)
Nem sempre a lápis (332)
água tatuada
(1999)
Só o gume da água segura este delírio atómico. Mesmo que uma janela cante na pele iluminada, adivinha-se uma matilha de pêlos – sob a tatuagem.
Nem sempre o mar consegue adiar o rosto.
Papiro do dia (274)
«Subiu do mar, contornou o cais, voltou descalça por sobre as pedras, sentou-se ao lado, ofegante ainda, escorrendo água, um cardume negro passou, rápido, muito perto da superfície, mil peixes, disse ela seguindo-os com os olhos, cem peixes, disse ele, cem peixes apenas, passou uma das mãos nos seus cabelos molhados, fez deslizar os dedos ao longo do seu rosto – as suas mãos mudando um rosto, uma mulher deitada, debaixo da luz forte das lâmpadas, um novo rosto surgindo, moldado, esculpido com a ponta do bisturi sobre a carne de argila, uma mulher acordando diferente, olhando no espelho a sua imagem, uma mulher água, vento folha, que não sabia da sua própria forma e a procurava através do homem – não quero entrar no teu mundo nem mudar o meu rosto, quero ficar como saí do mar agora, os meus cabelos verdes, os meus olhos conchas, o meu corpo alga, as minhas mãos gaivotas, e se não ma amares assim vai-te embora e deixa-me ficar, absurda e doida e conte de mim, deitada na rocha – sentou-se ao lado e levantou a cabeça para o sol: Eram mil peixes, disse. Contei-os um por um e eram mil.»
[Teolinda Gersão, O silêncio; Sextante, Setembro 2007]
3 de novembro de 2012
Una furtiva cotovelada...
[Faruk, o cão, 20 anos aos pés da Mana, 96 anos; ainda 63; Yanka, não sei; Isilda, 88; Francisco, 90; fotógrafa, 57]
2 de novembro de 2012
1 de novembro de 2012
Porque a Net fornece um novo dia
RASO COMO O CHÃO
Um espectáculo de Ana Deus e João Sousa Cardoso
A partir de Raso como o Chão de Álvaro Lapa
Com Ana Deus e João Sousa Cardoso | Fotografia João Tuna
Produção Três Quatro Lente Associação Cultural do Porto
No Teatro da Politécnica de 31 de Outubro a 3 Novembro
(4ªf às 21h00 | 5ªf a Sáb às 19h00)
Às vezes, lá calha...
«O tempo imóvel da eternidade ou da infância, pensou, os amantes repetiam talvez a eternidade e a infância.»
(Teolinda Gersão)
Nem sempre a lápis (331)
água tatuada
(1999)
A atmosfera assoma o pesadelo, eriça a carne. Sobre o napalm do sofá, a tatuagem elege o corpo locomotivo – um comboio tresnoita a água.
Nada do que asseguro fará sentido, enquanto o sal da memória temperar a crueldade da paixão.
Papiro do dia (273)
«Por vezes havia velhos sentados, na soleira das portas, cães vadios, uma gaiola com pássaros na parede exterior de uma varanda, flores amarelas acumuladas em três palmos de jardins de cimento ou sobre os telhados de toscos galinheiros, e tu caminhavas assim até ao anoitecer longo e lento, o baixo anoitecer repassado de espanto, em que a pouco e pouco todas as coisas se tornam opressivas, e agora atravessas um campo baldio entre casas, e de súbito há no ar uma música distante, que deve vir de um carrossel ou de um circo, algures, do outro lado do campo, e por um instante paras a ouvir, mas de novo a música se interrompe e tu recomeças a caminhar, ao acaso, e não vais nunca para lugar algum.»
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